Esse texto contém spoiler. É importante salientar isso logo de início, para depois não ter nenhuma surpresa desagradável, caso não tenha lido Usagi Drop. E porque terá spoiler? O foco do que quero explanar nesta crítica está justamente na grande “surpresa” da obra. Que, aliás, é uma baita surpresa e completamente desagradável. Pode-se dizer que uma revelação traumática.
Porém, mesmo com esta introdução devastadora, Usagi Drop é bom. É um começo esquisito para o texto, eu sei, destoando um parágrafo do outro. Mas a questão é que esse mangá é exatamente isso. É uma narrativa construída de uma forma, com um objetivo, que, ao final, destoa completamente de tudo que foi proposto inicialmente. Adianto que, para mim, o grande erro de Usagi Drop é seu final, pois o restante é maravilhoso.
Mas afinal, do que se traga Usagi Drop? E sua conclusão? É tão absurda assim? Continue aqui até o final e descubra.
Usagi Drop tem um plano, e ele é fofo
Escrito e ilustrado por Yumi Unita, a história deste mangá é simplista. E isso não é ruim. Eu diria que Usagi Drop é um mangá conforto. Aquele tipo de leitura que funciona caso esteja passando por uma ressaca literária. Por ele ser um slice-of-life, essa linha simples que ele segue é esperada e trivial. E completo em dez volumes, consegue passar bem o que quer. Vida, escolhas, causa e efeito. E se você curte história assim, dá uma conferida no podcast que os guris gravaram sobre o gênero.
Pelos olhares de um homem de 40 anos de idade, chamado Daikichi, somos introduzidos ao universo de Usagi Drop. Tudo inicia-se em um funeral. O funeral do avô do Daikichi. O que era para ser um momento de luto e tristeza acaba se convertendo em euforia e surpresa quando é trago a tona que o velho teve uma filha de um relacionamento proibido.
Silvio Santos estava errado. A pipa do vovô sobe, sim, aparentemente.
Esta garota é a Rin. O evento se torna uma situação bastante inconveniente, porque agora é preciso tomar uma decisão do que será feito com a menina.
Todos se recusam a cuidar dela, parte por ela ser algo “indesejado” ou porque são muito ocupados para cuidarem de uma criança.
Por fim, Daikichi acaba assumindo a responsabilidade de cuidar de Rin. Agora, como responsável, Daikichi enfrentará uma nova fase de sua vida, que fará tanto ele quanto nós, leitores, repensarmos sobre a vida.
A vida exige sacrifícios
Quando mencionado o termo “sacrifício”, é comum associar a algo negativo. No entanto, Usagi Drop assume uma roupagem mais positiva acerca da palavra. Que a vida é feita de escolhas, isso não é nenhuma novidade. O mangá discorre bastante sobre isso. Entretanto, outra característica legal é discutir sobre os tais sacrifícios que são feitos ao longo da vida.
Daikichi, por exemplo, era um homem que vivia sozinho há muito tempo e possuía certos hábitos e um determinado estilo de vida. Todavia, ele vê tudo isso sendo alterado aos poucos com a presença da Rin.
Logo, ele precisará fazer certos sacrifícios pela menina. E isso não quer dizer que seja ruim.
O mangá levanta a ideia de que fazer algo em prol de alguém é um ato de amor e de compromisso. Significa ser inteiramente responsável. Não se trata exatamente de priorizar outros em detrimento do que você realmente deseja, como é o caso em que muitas pessoas pensam.
Um desses sacrifícios é ele acordar mais cedo. Apenas isso. Agora ele precisa levar a Rin para a creche, mas o percurso é totalmente oposto ao do trabalho dele, então, agora, ele tem que criar todo uma logística e se adaptar a ela, precisando, obviamente, acordar mais cedo do que de costume.
Essa percepção do mangá é legal. Mostrar que sacrifício não é, necessariamente, algo absurdo que vai acabar contigo ou destruir a terra. Por se tratar da vida, em sua forma mais simples, os esforços também são simples, mas requerem muita disciplina e determinação.
Usagi Drop não tinha um plano? Aparentemente foi jogado no lixo
Os spoilers de Usagi Drop começam aqui neste tópico. É incrível como a autora consegue tecer toda uma linha de pensamentos e eventos que tendem a levar a um ponto, mas que ela descarta e decide traçar um caminho completamente nada a ver com tudo que ela propôs desde o início.
Ou eu estou errado e não percebi que o final seria como foi e errei por não ter percebido os supostos sinais que autora largou pelo caminho? Vai saber. Tudo é possível.
Mas, enfim, vamos ao evento traumático.
De pai e filha para futuros noivos
Rin, após viver sob os cuidados de Daikichi por dez anos, começa a despertar alguns sentimentos por ele. A garota só não sabe que tipo de sentimentos são esses. Isto é um gatilho para um arco com a mãe dela, que acabam se encontrando e conversando sobre a infância da menina. Uma tentativa de lavar a roupa suja. E nesses diálogos, Rin descobre que o avô de Daikichi não era seu pai biológico, e sim adotivo.
Rin não tem nenhum parentesco com a família de Daikichi. Esta é a grande solução da autora para abrir caminho para o relacionamento dos dois. A válvula de escape. Porém, o que talvez seja mais bizarro é o Kouki, melhor amigo de infância da Rin, que se apaixona por ela, descobrir e apoiar os dois.
Mesmo ela não tendo laços sanguíneos, algo foi construído ali nesse período de dez anos. Querendo ou não, são pai e filha. É essa a construção do mangá. Não tem como dizer o contrário. Mas a autora parece negligenciar tudo isso ao criar um final como esse. Quanto ao Daikichi, ele é relutante à ideia. O que era o mínimo a se fazer. Era esperado isso. Porém, é apenas inicialmente. Ele acaba cedendo no final.
O menos ruim é que isso fica apenas em diálogos. Não vemos nada demais sendo denotado em ilustrações. Que bom. O simples fato do plano de se casarem e, futuramente, terem um filho já é bem abalador. E é isso. Assim é concluída a história de Usagi Drop.
Finalizando a crítica do mangá Usagi Drop
Sinceramente, por quê? Acho que este é o questionamento que fica ao final do mangá. Não dá para entender esse viés. Uma tomada de decisão muito nada a ver. Mesmo com uma explicação para tentar amenizar a ideia. É muito claro que a Rin descobrir que ela não tem nenhuma relação com o Daikichi foi uma jogada para realizar esse desejo da autora de criar a junção dos dois como um casal.
Porém, entretanto, todavia, eu ainda assim recomendo o mangá. Ademais, tirando o final, o resto é maravilhoso. É fofo, é reflexivo, é agradável e é, também, relaxante. Então, sim, leia Usagi Drop. Por mais que possua um final quebrado, a jornada vale a pena.