O Castelo Animado é um filme famoso e clássico do Studio Ghibli, além de ser um dos meus filmes favoritos. Apesar disso, existem poucas análises dele por aí devido a sua história um pouco complexa. Esse filme é uma adaptação excelente feita por Hayao Miyazaki do livro de mesmo nome, O Castelo Animado, escrito por Diana Wynne Jones.
Por ser um dos meus filmes e histórias favoritas, decidi fazer uma análise dele eu mesma. Contudo, nessa análise eu estarei colocando alguns elementos importantes do livro que não estão na brilhante adaptação (e que dão muito mais contexto e sentido para os eventos que acontecem).
Para não ficar confuso, eu escrevi essa análise mais baseada no filme mesmo do que no livro, mas sempre que essa mistura acontecer você será avisado para não se perder. Além de não colocar em pauta a guerra que acontece no filme, pois essa parte é o toque especial do próprio Miyazaki com suas mensagens pacifistas.
Essa falta de contexto não prejudica a história em si, mas diversos detalhes acabam ficando sem explicação e por isso ele parece ser muito complexo de entender. E, claro que não poderia faltar meu toque especial no artigo: minhas interpretações misturadas ao olhar psicológico.
Vem comigo até o final, por que eu vou mudar seu jeito de assistir O Castelo Animado!
O que é importante saber para entender O Castelo Animado
Podemos compreender melhor vários aspectos do filme ao ler o livro, embora o sentido da maioria das coisas e eventos não mudem.
Porém, é preciso entender que a parte da guerra é uma colocação do próprio Hayao Miyazaki, o que não é nenhuma novidade. Pois, em todas suas obras, Hayao faz questão de passar sua mensagem pacifista e anti-guerra.
Ou seja, a parte da guerra é pra ser mesmo sem sentido no filme, e não faz parte do universo de O Castelo Animado. Se você quiser entender melhor essas diferenças, assista esse vídeo:
Mas, em resumo, essas diferenças não são cruciais para todas as mensagens que existem na história de O Castelo Animado. Inclusive, o filme apresenta diversos elementos do livro de uma forma mais visual, o que facilita entender o que está acontecendo.
Contexto claro e objetivo sobre os personagens principais
Esse contexto que existe por trás da construção de cada personagem fica descrito em detalhes no livro, já no filme, essa parte ficou de lado. Vou falar da Sophie Hatter, Howl Pendragon e do Markl (Michael).
A Sophie é uma jovem com autoestima baixa, que possui duas irmãs (Lettie e Martha) e uma madrasta. Sim, são duas irmãs e não só uma! Por ela ser a filha mais velha, naquela época onde se passa a história, ela deveria aceitar o que lhe era imposto.
Por isso, ela estava conformada em herdar a chapelaria da sua família e permanecer no mesmo lugar até envelhecer. No meio disso, temos Howl Pendragon, um mago famoso e mal falado pelas mulheres de todos os lugares.
Ele é uma pessoa que foca muito em si mesmo, leva horas para se arrumar e encontrar uma garota, e a descarta depois de finalmente conquistá-la. Howl tem em seu castelo um discípulo, o Michael (ou Markl).
No filme, Markl é uma criança pequena, mas no livro ele já um adolescente e se torna muito amigo de Sophie depois de ela ir morar com eles.
Portanto, o ponto chave de suas trajetórias é sobre desenvolvimento pessoal e autoestima. Não só para Sophie, mas para Howl também o foco é na aceitação de quem são, reconhecimento de suas qualidades e de suas imperfeições.
Como você quer viver a sua vida?
Logo no começo do filme, vemos Sophie na chapelaria tomando conta dela sozinha e depois indo visitar uma de suas irmãs na cidade. Há murmúrios por todos os lugares sobre o terrível Mago Howl e sua fama de roubar o coração das moças.
Sophie conversa com sua irmã que demonstra preocupação com ela andando sozinha por aí com este mago à solta, mas ela apenas comenta que não é bonita o bastante para que Howl se interesse por ela. Aqui já podemos entender com muita clareza a baixa autoestima que ela possui, e um detalhe importante é o fato de que Sophie deposita a maior parte do seu valor apenas em sua aparência!
Contextualizando com elementos do livro, essa conversa de Sophie com a Lettie é bastante importante. Sem muitos detalhes, Lettie questiona se ficar na chapelaria para sempre é o que Sophie realmente deseja para sua vida. Bom, Sophie nem deu resposta.
Contudo, durante seu caminho até Lettie, a Sophie é importunada por alguns oficiais homens, e um misterioso rapaz de cabelos loiros aparece para salvá-la, dizendo que a “estava procurando por toda parte“. Outro detalhe muito interessante é que o anel desse rapaz estava brilhando ao encontrar Sophie, guardem essas duas informações!
Após fazer com que os oficiais fossem embora através de magia, o rapaz leva Sophie pelo ar (walking on air) até onde ela precisava ir. Essa cena carrega simbolismo de estarem nas nuvens, em um momento sublime. Porém, o encontro deles é curto e logo se despedem.
As reflexões acontecem desde o comecinho do filme
Quando Sophie conversa com sua irmã e é questionada sobre o que realmente deseja fazer, ela desconversa e logo sai dali. Sophie não acredita que possa tomar suas próprias decisões, teme desagradar a expectativa dos outros sobre ela, não enxerga seus potenciais e talentos, e pensa que sua aparência não é bonita o suficiente.
É importante compreender que autoestima não está apenas relacionada com a autoimagem que temos de nós mesmos, mas sim com todos esses aspectos que falei acima. Por isso, a aposta visual de Hayao para demonstrar as emoções de Sophie é brilhante, mas já vamos chegar nessa parte.
Então, quando Sophie está de volta na chapelaria depois da visita à sua irmã, uma cliente entra em sua loja e ela avisa que estão fechados. Quem entra na loja é a Bruxa das Terras Desoladas e após uma conversa afiada entre as duas, a Bruxa amaldiçoa Sophie.
A Bruxa a amaldiçoa fazendo com que ela se transforme em uma senhora idosa de 90 anos. Nesse ponto da história, uma coisa muito interessante é a atitude de Sophie diante do problema. Ela se olha no espelho e obviamente se assusta com o que está vendo, mas ela passa a caminhar dentro da loja, tentando respirar e se acalmar. E aqui começa a jornada de nossa nem tão heroína assim em busca de si mesma.
De modo geral, o papel da Bruxa é muito importante tanto no filme como no livro, mas eles são bem diferentes um do outro. No filme, a Bruxa acaba virando parte da “família” e recebendo muita ajuda de Sophie. No entanto, na história do livro a Bruxa não sobrevive e Sophie não é nada cordial com ela em nenhum de seus encontros.
Protagonismo feminino: rivalidade, estética e autoestima
Sophie vai se percebendo enquanto é velha, o quanto sente dores e o quanto ainda tem saúde e consegue caminhar.
Ela assume a escolha do próprio destino e parece se sentir muito mais confortável dentro da pele de uma senhora de 90 anos. Pois Sophie, ao se ver como idosa, inclusive confirma pra si mesma que finalmente as roupas que usa agora combinam com ela.
Duas coisas pra você refletir:
- A competição feminina instigada pela Bruxa das Terras Desoladas
- O envelhecer como forma de “enfeiar” as mulheres
Esse pontos são muito importantes pra história, especialmente dentro do contexto do livro. A rivalidade feminina é instigada pela Bruxa, pois logo após ela lançar a maldição em Sophie, ela pede para que Sophie dê seus cumprimentos a Howl. Ela, a Bruxa, deseja ter o coração do Howl e descobre do encontro que ambos tiveram.
Por isso, essa rivalidade não foi instigada do nada, mas sim do ponto onde converge para todas as mulheres: a aparência. Sophie não é uma mulher feia, ela é quem não enxerga sua beleza.
Portanto, a Bruxa entende que o melhor era torná-la feia através do envelhecimento. Na nossa cultura atual, existem diversos procedimentos estéticos relacionados ao rejuvenescimento. É quase como se não pudéssemos mais envelhecer, devemos sempre aparentar jovialidade e perfeição.
Esse fato é mais forte e comum entre as mulheres, que por diversas vezes sofrem muito com a pressão estética e a pressão de serem melhores, diferentes e superiores a outras mulheres.
O Castelo Animado é literalmente um castelo ambulante e, talvez, uma analogia com o coração
Sophie sai em busca de um lugar para ficar, e procura pelo O Castelo Animado, o castelo ambulante de Howl. E aqui é onde eu realmente sinto uma magia acontecer.
O Castelo Animado é visualmente feio, parece apenas um amontoado de lixo, metais, etc. E, bom, ele é animado por que não fica parado. Sophie pede para o castelo parar e deixar ela entrar, então Calcifer concede permissão a ela.
Além disso, a Sophie resgata um velho espantalho preso em um arbusto, se acalenta durante sua caminhada, percebe mais a si mesma e seu corpo, e faz mudanças radicais dentro do castelo.
Mas antes de fazer minha interpretação disso, vou apenas avisar que Calcifer é um demônio do fogo que faz um pacto com Sophie para que ela quebre sua maldição e fique livre do castelo e, assim, ele a ajudará a quebrar a dela.
Sophie então faz um pacto com o demônio. Mas, o interessante aqui é: Calcifer está intimamente conectado a Howl, e podemos dizer que é como se ele fosse o coração do Mago, além de ser quem controla tudo dentro do castelo. Dito isso, Calcifer permite que Sophie entre no coração de Howl e ali faça morada.
Essa parte é totalmente uma interpretação minha, mas que faz muito sentido. Inclusive, Howl também vê Sophie no castelo, a permite ficar e pede para que ela seja gentil com seu amigo Calcifer. Um coração que permitiu sua entrada e sua moradia dentro de si.
Howl e Sophie são completamente opostos e ainda se complementam
Sophie não demora muito a perceber que o Mago Howl era aquele rapaz loiro que a salvou outro dia dos oficiais que a importunavam. Entretanto, Howl não parece se lembrar dela agora que tem sua aparência como a de uma velha.
Ambos provocam um ao outro de forma constante no livro, e essa parte não fica tão clara no filme. Porém, ainda dá para perceber que a existência dos dois e a convivência um com o outro causam modificações neles, no que pensam, como se sentem…
Howl tem atitudes muito narcisistas em relação às mulheres que conquista, usando técnicas de manipulação para conseguir o que deseja. Ele usa desde love bombing até reforço intermitente (respectivamente excesso de amor e aquele “oi sumida“).
Quando ele conquista as garotas, ele perde o interesse e parte em busca de uma nova aventura amorosa.
Mas, enquanto a aparência é tudo para Howl a ponto de perder horas se arrumando e ser muito vaidoso, Sophie não se acha digna disso. Ambos possuem comportamentos imaturos para lidar um com o outro, mas através de todas essas ações eles também vão construindo o relacionamento entre eles.
Sophie e Howl são abertamente sinceros um com o outro, e discutem com certa frequência (isso fica mais evidente no livro). Essa sinceridade e discussões acabam por ser provocativas para ambos, o que torna o confronto entre suas crenças algo interessante de observar. Por essa razão que conseguem se relacionar e modificar pensamentos e crenças sobre quem eles são, seu valor como pessoa, etc.
A construção de Howl através de enfrentamento e confronto
Outro ponto que gosto de refletir sobre Howl e sua atitude narcisista refere-se ao fato de que ele não possui seu próprio coração no peito.
Isso de alguma maneira poderia explicar o desejo insaciável de perseguir o coração das moças por onde passa, já que ele próprio está vazio por dentro.
Além disso, Howl não possui muita maturidade emocional pra lidar com as situações na sua vida. Ele prefere fugir de responsabilidades e confrontos necessários com as pessoas que o perseguem.
Um detalhe importante: todos esses pontos podem ser observados no filme, mas no livro muita coisa fica muito mais clara e compreensível dos comportamentos de cada personagem. No livro, Howl é um excelente Mago, mas que não deseja ser o Mago Real (e o Rei o deseja para o cargo, uma vez que o antigo está desaparecido).
De volta ao contexto do filme, nessa aventura de abrir a porta do castelo (que pra mim é uma metáfora perfeita de abrir a porta do coração de Howl) para Sophie entrar e morar ali… a relação dos dois vai se construindo de maneira natural e com muitas alfinetadas de um com o outro.
Sophie: autoestima tem a ver com quem você é além de como você aparenta ser
Em diversos momentos, a maldição de Sophie parece desaparecer e ela volta a ter sua aparência jovial. Os momentos em que isso acontece são quando ela consegue se impor enquanto pessoa, respeitar os próprios limites e demonstrar quais são seus valores aos outros.
Isso é um ponto magnífico, uma vez que a nossa autoestima não tem a ver exclusivamente com nossa aparência, mas sim com nossos valores, com respeitar a nós mesmos e conseguirmos nos mostrar pro mundo. Além de desenvolver nossas habilidades e conseguirmos sentir nosso domínio e capacidade de realização pessoal.
Sempre que Sophie é questionada, ela balança e a aparência da velha de 90 anos retorna. O Castelo Animado é um filme brilhante pra tratar de autoestima, egoísmo, relacionamento, amizade e traz tudo isso com muitas analogias e metáforas.
Durante essa jornada dos personagens na busca incessante do que falta a cada um, vemos Howl verdadeiramente se apaixonar pela primeira vez por uma mulher e Sophie verdadeiramente apaixonar-se por si mesma e ter firmeza nas suas convicções e crenças.
No filme, Sophie transforma o castelo pouco a pouco, e traz pra casa a Bruxa e o Espantalho. Essas são demonstrações genuínas de empatia e cuidado que Sophie tem mesmo para aqueles que a assustam e a fizeram mal.
Contudo, Sophie passa a ser muito mais clara em relação às suas próprias emoções também. Ela deixa claro que não se esquece do que aconteceu, fala sobre como se sente e diante de tudo tem atitudes diferentes da que poderíamos esperar dela.
Um coração é um fardo pesado
Chegando ao final da história, Howl está bastante debilitado por tentar proteger Sophie e o castelo, assim como Calcifer está ficando mais fraco devido a sua ligação com ele.
Sophie destrói o castelo ao tirar Calcifer de lá de dentro, mas ela consegue encontrar uma porta que mostra um caminho para as memórias de Howl na infância.
Nessas memórias, ela entende qual é a maldição e conexão entre Calcifer e Howl, mas sem tempo de ajudar naquele momento, ela pede que Howl vá encontrá-la no futuro e retorna esperançosa de poder salvá-lo. Esse ponto é muito interessante, pois se lembra do anel brilhante de Howl e o que ele disse para ela na primeira vez que se encontraram?
“Estava te procurando por toda parte!”
Embora Howl não tenha coração, suas atitudes sejam egoístas e narcisistas na maior parte do tempo, também podemos observar atitudes que beiram a genuína preocupação com aqueles que ocupam um lugar dentro do castelo (ou, será, dentro do seu coração?).
Finalizando minha análise de O Castelo Animado
O Castelo Animado é uma obra que fala sobre a busca por uma perfeição inexistente, o que de fato tem valor e as escolhas que fazemos para nossas vidas. A maldição da Sophie se mantinha mais por ela mesma do que pelo poder da Bruxa.
Quando Sophie era autêntica, corajosa, se impunha, dava sua opinião, tomava decisões importantes com confiança… a jovialidade lhe era devolvida. Mas, quando ela se questionava sobre o valor próprio como pessoa, a maldição retornava.
Por fim, a história fala sobre a vulnerabilidade das nossas relações. É por Sophie e Howl serem como são de verdade na frente um do outro, mostrando seus lados “feios” e vulneráveis, que um se apaixonou pelo outro. Não existe uma paixão baseada em pura ilusão, existe amor (uma escolha) com base na realidade de ambos.
Não tô aqui pra avaliar se a relação é exatamente saudável entre eles, porém eles conseguem levar muito bem a relação que foi construída e demonstram estar abertos pra melhorar o que for necessário.
Mas, será que consegui mudar sua forma de ver o filme? O que você achou de tudo isso?