Eu não esperava nada ao clicar na thumb de “given” no catálogo da Crunchyroll . Talvez por conta de um possível machismo sócio-cultural que venho tentado combater tem um tempo, ou quem sabe até mesmo da própria internet que não perde tempo em deixar claro que anime de romance homossexual é, basicamente, só fan-service. Eu estava errado.
Estava errado por achar que apenas pelos gêneros serem slice-of-life escolar e romance seria algo monótono.
Ainda, sabendo que era um romance homossexual, eu achei que acabaria me deparando com algo como um “Citrus 2.0”, ou seja, uma obra que só entregaria takes eróticos de dois homens enquanto eles se dão uns pega. Mais uma vez, eu estava errado.
Contudo, na verdade, o que me atraiu foi ler o gênero “música”. Pensei comigo: como vão introduzir música em meio de prováveis fans-services forçados pra cacete?
Fiquei curioso, e essa curiosidade fez com que eu clicasse na thumb com esse pensamento “machista” no primeiro episódio, não esperando nada. E, pela terceira vez, eu estava errado.
O começo da canção
Em “given” acompanhamos a história de uma banda formada por 4 caras que são praticamente os quatro extremos de um quadrado, de tão diferentes que são.
No andar da história acompanhamos um protagonista extrovertido que exala a clássica aura de conte comigo, mas que por dentro é meio molenga para assuntos românticos e chega até a ser um pouco tsundere, o Uenoyama Ritsuka.
Junto dele, acompanhamos Satou Mafuyu, o típico garoto cara de paisagem cabeça de vento que não sabe de nada. Pelo menos na maior parte do tempo ele demonstra ser assim, mas é difícil de dizer se é porque ele está perdido em pensamentos sobre seu complicado passado.
Não há muito a dizer sobre o plot, pois este não existe. Como falei, “given” é um slice-of-life romântico que envolve música, e apenas isso. Mas não leia “apenas” em tom pejorativo, pois essa obra sabe onde quer chegar.
Sendo assim, se fosse para resumir o começo da história, teríamos: ambos os protagonistas se conhecem ao puro acaso um dia na escola, e o Mafuyu pede para o Uenoyama o ensinar a tocar guitarra.
Uenoyama tem uma banda, e além disso já tocava no ensino fundamental, por isso tem capacitação para ensinar Mafuyu.
E aí a história se inicia.
A banda “the seasons”
O elenco principal é com certeza o ponto forte do anime, porque como já disse, não há um plot realmente interessante em given.
No anime, tratar a relação dos personagens é o mais importante. Laços de amizade, de rivalidade e amorosos são formados ao longo dos 11 episódios.
Uns mais bem justificados do que outros, mas a maioria bem condizente com o que você consegue ler sobre o ambiente e consegue extrair dos personagens.
O laço mais explorado com certeza é o dos dois protagonistas (os dois integrantes mais jovens da banda), Uenoyama e Mafuyu.
Uenoyama é mais do tipo “livro aberto” com seu jeito de agir, e é aquele cara com quais todos podem contar. Ainda, é bem convicto (e até teimoso) com suas decisões e opiniões, mas ainda respeita muito seus senpais. Na hora de botar para fora, ele bota, não sendo um tsundere chato.
Mafuyu, por sua vez, é um cara mais reservado com um passado bem misterioso e, aparentemente, triste. Demora a se saber mais sobre ele (não vou contar rs), porém Mafuyu por algum motivo demonstra muita vontade de aprender música, e por isso pede ajuda ao Uenoyama.
Akihiko Kaji é o baterista da banda. Ele é o típico cara mais velho de aparência badass que não aparenta ligar para as coisas, mas, na verdade, é um observador e manipulador nato que sabe muito bem como persuadir os outros e conseguir o que quer.
Haruki Nakayama, por sua vez, é o baixista e possivelmente o cara mais empático e maduro do anime. É ele que no fim acaba tomando boa parte das decisões e das tarefas de maior responsabilidade da banda (e até de outras coisas).
Paralelo com a realidade
Os dois protagonistas, Mafuyu e Uenoyama, são adolescentes e agem como tal, além de parecem como tal também. Não são aqueles personagens de ensino médio que mais aparentam ter 25 anos de idade, super maduros e que dominam a vida mesmo tendo acabado de passar pela puberdade.
Os outros dois integrantes da banda, Kaji-san e Haruki-san, fazem muito bem o papel de universitários de 20 anos. Ou seja, são caras que, apesar de mais maduros e formados, ainda não tem total controle da vida deles.
O contraste de maturidade dessas duas duplas fortifica o tom de realidade do anime, pois desta forma fica mais fácil se identificar com eles.
Ainda, um ponto interessante é que cada um deles atua na banda com instrumentos que conversam com suas personalidades.
Uenoyama é um cara mais explosivo, o que torna a guitarra um bom partido para ele, pois o guitarrista é “sempre o mais lembrado” e responsável por aqueles solos incríveis (apesar de todos os instrumentos terem solos, né).
Kaji-san, sendo o cara com que todos podem contar e que cuida de seus queridos amigos, fica “no fim da fila” para garantir a segurança de todos. Logo, ele fica na bateria, atrás.
Haruki-san é mais calmo e controlado (pelo menos em público), então não haveria outra opção se não ser o baixista, o cara que eleva o teor grave das músicas e que, sem ele, nada funcionaria.
Tire qualquer instrumento de uma música e ela fica esquisita, mas, já experimentou ouvir uma música que originalmente tenha baixo, sem baixo? É bizarro. Essa é “the seasons” sem o Haruki – bizarra.
Mafuyu (e isso é um spoiler leve então cuidado), se torna o cantor da banda, pois é sem dúvidas o que mais precisa se expressar e botar para fora os sentimentos.
A música como meio de viver
Com o passar dos episódios, você é ensinado sobre algumas coisas do ramo musical, tipo como funciona um amplificador, uma pedaleira ou como trocar as cordas arrebentadas de uma guitarra.
O Mafuyu é um cabeça de vento clássico, como já dito, então ele serve bem como bode expiatório para a narrativa explicar para nós, a audiência, como funciona esses lances sobre instrumentos e a música em si, com foco nos mais simples para que todos possam acompanhar a ambientação do anime.
O elenco principal da obra, a banda “the seasons”, tem um amor contagiante pela música. Todos os seus integrantes deixam isso bem claro por meio de ensaios diários em um estúdio que, sendo bem sincero, não fica tão perto assim de suas casas.
Eventualmente, Mafuyu entra na banda, mas isso não era surpresa, porque, afinal, ele é um dos protagonistas e o anime é sobre música, romance e a banda. Então, né.
O ponto em destaque aqui que gostaria de trazer é que, como em Carole & Tuesday, é possível perceber como os personagens curtem tocar seus instrumentos, mas ao mesmo tempo se importam muito uns com os outros.
Cada um é bem peculiar, vivendo suas vidas, com seus amores, suas preocupações e suas rotinas (mesmo porque dois estão na faculdade, e outros dois no ensino médio, o que torna suas realidades bem distintas).
O anime trata esse teor diferenciado muito bem, de uma maneira agradável e não tão expositiva, ou seja, você não sabe tudo sobre os personagens logo de cara. E isso é ótimo, pois aumenta sua curiosidade para ver como eles serão desenvolvidos e os relacionamentos aprofundados.
Não digo só relacionamentos amorosos, mas o bromance é muito presente aqui também, vale dizer.
Tem dramão?
O que mais me surpreendeu é que, depois de já fisgado pela curiosidade e pela boa surpresa de não ser um anime de fan-service forçado, não há dramão no anime.
Sabe aqueles dramão cansado que vivenciamos em obras como Domestic Kanojo, ou dramas complicados como em Banana Fish, ou até mesmo dramas complexados como em Yagate Kimi ni Naru?
Eu não senti nada disso em given. E isso não me incomodou, já adianto.
Bem pelo contrário, pois isso me surpreendeu positivamente. Afinal, como diabos conseguiram prender minha atenção com um romance slice-of-life sem drama? Eu não sei, mas arriscaria dizer que foram os personagens.
O lance do Mafuyu eu não chego a considerar dramão, eu acusaria mais como um trauma a ser superado mesmo. Felizmente, os integrante do “the seasons” estavam ali para apoiá-lo e ajudá-lo a ir para frente. Principalmente o Uenoyama, claro.
Após algumas desavenças e dificuldades (e lá vem outro spoiler–óbvio), Uenoyama se vê apaixonado por Mafuyu. Daí, começa até um certo drama relacionado ao passado do cantor, mas nada que seja muito melancólico ou arrastado.
É algo que, se eu realmente peguei a centelha que causou todo o caos, foi tão pesado que talvez eu nem quisesse que aprofundassem demais ou trabalhassem um drama super complexo e profundo em cima. Talvez fosse demais para mim.
E climáx, tem?
Já aviso que given (a primeira temporada) é uma história com, basicamente, um só climáx.
Ao ler a sentença a cima, você provavelmente encarou como um ponto negativo. Admito que eu também acharia isso, só que a diferença é que eu já vi o anime. E o único climáx que eles apresentam é, sem dúvidas, um dos climáx mais bem trabalhados que eu já vi.
Sabe aquele fatídico episódio memorável daquele anime que você mais ama? Foi essa a sensação que eu tive no andar do climáx de given. E olha que eu não amo given.
Naqueles 5 minutos o anime consegue te entregar tudo que ele propõe: música, bromance e romance. Ainda, resolve e explana a treta principal do plot que estava destruindo por dentro um dos personagens, e, além disso, floresce a relação dele com seu possível novo par romântico.
Se você viu, sabe muito bem da cena que estou falando. Não vou nem comentar em qual episódio isso ocorre, porque na boa, vale muito a pena assistir só por essa cena.
Eu chorei na hora, chorei depois, e ainda choro se revejo. Profundo e tocante demais.
A parte técnica
Apesar de o anime ser bem bonito, com traços mais realistas e uma paleta de cores que lembrou muito Bloom Into You, acredito que a parte técnica foi mediana/boa.
Citei na minha primeira recomendação de animes slice-of-life que esse tipo de anime costuma não ter muitas cenas complicadas para animar com o as de One Punch Man ou de Mob Psycho 100, então, entregar uma animação consistente é o mínimo que o estúdio Lerche precisava fazer; e fez com êxito.
A trilha sonora do anime foi bem completa e bonita, como já era de se esperar. Não chegou ao nível de Shigatsu kimi wa no Uso, mas ainda assim ficou bem legal.
A abertura e o encerramento são bem animados e bem produzidos. Eu particularmente amei a abertura, mas nada baterá a música que toca no climáx. Nada.
Finalizando…
Até aqui, basicamente, só discorri sobre os pontos que me chamaram atenção e que eu gostei. Contudo, sendo sincero, não houveram muitos pontos negativos na obra.
Se existem, talvez seria um final mais fechado para satisfazer a falta do aprofundamento do romance. Só que a falta de aprofundamento no romance foi explanada pois, antes do romance, existia um trauma que precisava ser superado.
O outro possível ponto negativo seria o fator de que fizeram todos os personagens do núcleo principal (e até alguns dos que envolvem ele) serem homossexuais/bi.
Obviamente não tenho problemas com a homossexualidade ou qualquer tipo de opção/orientação sexual em si, só que TODAS as pessoas importantes para o anime serem eu achei um pouco “forçado”, digamos assim. Falei mais sobre isso no meu review de Banana Fish e no de Bloom Into You.
Entretanto, ao mesmo tempo que pode ter sido homossexualidade, pode ser que eles sejam bissexuais ou, até mesmo, que era um bromance bem meloso. É muito dificil de afirmar.
A narrativa, apesar de lenta e sem cliffhangers eficientes, ainda me prendeu. Talvez por gosto pessoal, não sei. Mas afinal, é isso que é uma análise é: gosto pessoal com embasamento e argumentação que faça sentido.
Dei uma nota bem alta para Yagate Kimi ni Naru, e given me fez sentir coisas muito mais intensas. Sendo assim, acho que fico com um…
Nota
/10
Exagerei? Ba, dificil dizer. Porque eu gostei MUITO. Escuto a música (aquela mesmo) em loop!
Continuação?
Felizmente “given” terá um filme animado que será uma continuação direta da história adaptada do mangá de Natsuki Kizu. O filme de given foi divulgado pelo twitter oficial do anime, logo após a exibição do último episódio, o 11º.