A proposta desse artigo é um pouco diversa do que provavelmente estão acostumados a apreciar aqui na Cúpula. Ele é um artigo crítico, assim como os demais. Porém, o seu objeto de análise não é uma obra em específico, e sim um diretor: Osamu Dezaki.
Osamu Dezaki atuou na indústria dos animes por um heroico período, dentre a década de 70 até a de 2000, em diversas funções. Ele é, indiscutivelmente, um dos principais diretores de todos os tempos das animações japonesas.
Faleceu em 2011, aos 67 anos, o grande mestre nos guiou por diversos animes, dentre os quais estão títulos clássicos: Ashita no Joe (1971), Ace wo Nerae (1973), Oniisama e (1991), Takarajima (1978), Black Jack (1993 a 2011), Golgo 13 (1983), Versailles no Bara (1979), entre tantos outros.
Dezaki é um dos fundadores do que entendemos por anime hoje em dia, pois para além de influenciar toda a geração seguinte, ou mesmo a sua própria.
Ele estabeleceu diversos parâmetros no que se refere à linguagem dramática e narrativa dos animes.
Vamos conversar um pouco sobre o seu trabalho e percurso…
Dentre todos os animes que assinou, a sua marca registrada: as cenas estáticas trabalhadas lindamente, como momentos que marcam o ponto alto de um evento na obra.
A utilização dessas cenas varia muito de anime para anime. Em alguns, ela é central. Em outros, não só é central, como também estabelece o tom de maneira que toda a obra gira em torno desses constantes quadros que duram por poucos segundos.
Isso comove o espectador, bem como prende o seu apreço pelo instante reforçado de emoção que transborda.
Entretanto, nem sempre esse recurso é bem aplicado. Em determinados animes ele pode forçar o sentimento, e a elegância pode se tornar piegas, intensa ou cômica demais.
Dou por exemplo a utilização dessa ferramenta em Black Jack, principalmente os OVAs clássicos que foram lançados no decorrer de muitos anos, espaçadamente.
Nesses OVAs, por vezes, os recursos dramáticos se mesclavam com situações surreais e de pouca empatia. Nelas, o espectador não apenas se sente forçado a sentir essa empatia, como acaba por apreender a situação de forma mais caricaturada.
Portanto, assim como toda ferramenta ou habilidade, sua aplicação e contexto contam (e muito) para que o resultado desejado seja alcançado de forma adequada.
Dezaki é um diretor com uma personalidade e habilidade sem iguais. Mesmo em obras com roteiros não necessariamente bem estruturados, ele impõe uma atmosfera e um ritmo cativante.
Seus ganchos frequentemente elevam o conflito dentre os quais os protagonistas estão imersos, forçando-os a ações impetuosas.
E mais…
Estamos constantemente presenciando momentos turbulentos e minuciosos que despertam o afeto e o choque. Além disso, as vezes, quando ele intercala esses momentos, temos cenas cotidianas que aliviam a pressão sobre os personagens e os eventos. Isso nos deixa respirar por um breve momento.
Novamente, quando Osamu Dezaki exagera na atmosfera e força uma situação dramática ou nos empurra para situações de tensão pouco fortalecidas, suas obras sofrem um efeito do cômico e do melodrama barato.
Com isso em mente, muito do que dá certo na intensidade por ele proposta fica por conta da contextualização e do tempo adequado de absorção da situação por parte de quem vê.
Essas características variam de obra a obra que o diretor trabalhou. Não tive a oportunidade de assistir a todos os frutos de sua longa carreira, mas vou debater aqui algumas de suas obras.
Começo pelo seu primeiro e talvez mais icônico projeto, Ashita no Joe…
A construção dos conflitos em Ashita no Joe é o exemplo máximo de tom médio em Dezaki.
Isso ocorre pois Joe, nosso protagonista, tem a personalidade rebelde, imprevisível e explosiva. Ele é uma amargura violenta que por vezes usa a autodestruição como escape para as frustrações da vida.
Além disso, em em Ashita no Joe, o jocoso e malandro se mesclam ao decadente e o funesto. Os elementos centrais do drama protagonizado são norteados pelo caos, sobrevivência e solidão.
Joe não se rende a ninguém. Sua vitalidade é representada pela constante superação de uma emoção que não se permite sentir, de uma fraqueza que não se permite demonstrar.
Dezaki consegue nos guiar por um mundo de esperanças fúteis frente a obstáculos muitas vezes construídos pela autossabotagem daqueles que os enfrentam. A obstinação da derrota, mesmo na vitória, é a marca registrada da jornada de Joe.
O contraste de uma sociedade de joelhos, que se rende a uma reconstrução amarga e com cicatrizes que não se curam; que se afoga pelo lento progresso que não se pode evitar do acúmulo da força de vida de seus habitantes. É o cenário em que habita o boxe, o gingado e o conflito.
Dezaki nos acompanha sempre nessa narrativa, com um humor trágico que se acerta aos socos com a sua própria realidade.
Agora, sobre Ace wo Nerae…
Já em Ace wo Nerae, o destaque é por conta do condicionamento, em parte por um desejo que asfixia, imposto à protagonista, uma garota ingênua que desconhecia o seu potencial.
Seu treinador constrói, de forma compulsiva, as suas habilidades latentes e a transforma em uma atleta de ponta. Mas isso ocorre às custas do constante emocional que se apresenta em dores durante essa jornada.
Hiromi, jogadora de tênis sem pretensões e sonhadora, resume sua existência em desejos e ambições de alguém que não mede esforços para alçá-la ao destaque.
Sua trajetória, apresentada belamente por Dezaki, é repleta da mais pura resiliência de um aprimoramento alienado. A rivalidade e o florescer do conhecimento próprio tomam forma com a descoberta de sua própria identidade. Com isso, Hiromi desperta para o mundo em superação sem igual.
Novamente, a constante utilização dos conflitos interpessoais frente a situações, que muitas vezes, são simples, é o que engrandece o dramático no percurso guiado por Dezaki.
Outro elemento que amadurece conforme assistimos as suas obras de maneira cronológica é a utilização dos closes e cenas panorâmicas.
Uma técnica dramática em particular chama bastante atenção. Ela intercala com cenas estáticas que ornamentam a atmosfera: chamo essa técnica de disco arranhado sob controle, por falta de nome melhor.
Nela, a cena se repete rapidamente por pelo menos três vezes em diferentes velocidades enquanto ilustra quão intensa é a situação que descreve.
Sendo sincero, não consegui assistir a todas as suas obras completamente ainda, então estou ressaltando análises mais pontuais em relação ao seu estilo e a premissa que consegue mostrar melhor suas habilidades.
O ápice da maturidade e domínio de tela de Dezaki, segundo minha opinião, se apresenta no anime Oniisama e…
Nessa obra, o diretor desenvolve muito bem o suspense e a caracterização de todos os personagens. Com isso, é notável o quanto consegue transmitir através de situações (no mínimo extravagantes), a dor e o sofrimento real que protagonizam a tela.
Outro elemento interessante que Osamu Dezaki traz com competência é o contraste entre os personagens positivos e os negativos, que costumamos entender como antagonistas e protagonistas. Além disso, há constante trabalho em retirar essas antiquadas oposições, a fim de humanizar os vilões.
Em Oniisama e, essa função é, de certa forma, fluida, e o ponto chave é desvendar lentamente as camadas que compõem os sentimentos complexos em interação.
Novamente, ao compararmos com animes como Ashita no Joe ou Ace wo Nerae, percebemos o como e o quanto esses elementos foram aprimorados no decorrer de sua carreira.
Uma instigante característica de Dezaki é sua sobriedade decantada. Mesmo que ele utilize elementos angustiantes em suas narrativas visuais, há estabilidade madura no impacto de emoções.
E claro, o anime não toma forma apenas pelo trabalho do diretor. Afinal, quando a sonoplastia e os dubladores sincronizam com a obra, de forma orgânica, o resultado é sempre muito íntegro.
Pensando bem, “integridade e elegância” definem bem o estilo de Osamu Dezaki…
Quando penso em Oniisama e, o percurso de Nanako e seus conflitos de fim de adolescência, há alguns pontos que alavancam a centralidade de Nanako. São eles: a agridoce relação que o contexto lhe confere, a fusão de tragédias que a circunda, mesmo que quase que integralmente referentes as suas “amigas” afetos e conhecidas. Esses estímulos acabam por desequilibrar sua realidade.
Dezaki domina muito bem o enquadramento das cenas, o deslizar da câmera e os cortes de enfoque. Mesmo em uma aventura romanesca como Takarajima, seu controle de ritmo é de se admirar.
Para além da energia que extrai dos momentos chaves, as composições de cena são um fator de grande eloquência e perícia.
Takarajima, em questão, não é o ápice de sua expressão, pois é uma aventura frenética e um conto de piratas. Mas Oniisama e se destaca sem dúvidas quanto a isso, pois as cenas fluem frente aos impactos sonoros de sua trilha magistral.
Entretanto, o diferencial de Takarajima se encontra em seu antagonista. Um show à parte, ele rouba a cena a cada momento em tela. Silver é o carismático vilão cheio de ambição e sagaz que suga o respeito do espectador, quer este queira ou não.
A busca por tesouros e a caracterização caricatural e infantil da obra nos arremessam nas fábulas dos primeiros anos. É uma história imatura preenchida por um mistério decadente e sem escrúpulos.
Mas nem tudo são acertos no que tange a uma carreira…
Particularmente acho que o desempenho de Dezaki em Black Jack, e me remeto apenas a sua distintiva abordagem durantes os OVAs clássicos que perduram por mais de uma década em lançamento, deixam a desejar.
Na verdade, o desequilíbrio da proposta de narração em relação à história contada, em grande parte dos episódios, me deixa nauseado.
Não consigo levar a sério o percurso do lendário médico criado pelo não menos brilhante Tezuka, sua surreal incursão pelo reino do fantástico, regado ao constante exagero de tom de Dezaki. Ele não apenas força, mas inverte o mistério em forçadamente verossímil, transforma o resultado em desastre certo.
O interessante dessa sequência de OVAs não é apenas isso, mas sim o fato de que, por alguns episódios, Osamu Dezaki realmente acerta a mão. Porque ele consegue, querendo e fazendo dar certo, com resultados muito potentes ao fim do trabalho.
Uma pena, pois pelo que apreciei desses OVAs, não consegui creditar que o conjunto da obra tenha sido acima da média.
Concluindo: opinião final e planos futuros para com obras do lendário diretor…
Como relatei, devo em muito ainda a completar as obras do digno diretor, e ainda não consegui descobrir o seu estilo através de Golgo 13 e Versailles no Bara, entre outros de seus trabalhos.
Também não pude terminar alguns dos animes que aqui comentei, como Ashita no Joe ou as últimas temporadas de Ace wo Nerae, mas mesmo parcialmente apreciados, ouso opinar sobre eles.
Em suma, Dezaki, para mim, é uma grata surpresa tardia, seu estilo e sua abordagem me agradam, apesar de que o conteúdo das histórias, sendo sincero, por vezes não.
Não é o meu estilo de anime. Não pela idade deles, mas pelas temáticas e premissas em si. E, apesar disso, despido de preconceitos, os aprecio.
Ademais, termino esta crítica e comentário a carreira de Osamu Dezaki com um convite. Se possível, busquem e assistam as suas obras, mesmo que para desgostar e acharem ultrapassadas, piegas e brega.
Aliás, às vezes, inevitavelmente, podemos definir assim seus trabalhos. Mas abram os sentimentos para a experimentação para o “novo velho” que desconhecem. Afinal, tais obras podem engrandecer o costumeiro e tedioso presente já tão bem conhecido e saturado.
Se curtiu esse tipo de análise, o Pedrão já fez algo parecido com o Boichi. Então você pode clicar aqui para dar um pulo lá e conhecer!