Kakushigoto significa, em japonês, “coisa secreta” ou “segredo”. Algo que é para ficar por trás dos panos. Individualmente, “Kaku” significa “escrever”, e “Shigoto“, “trabalho”. Como essas palavras juntas acabam gerando “segredo” eu não sei explicar, mas sei que o anime que carrega “Kakushigoto” como título faz jus à esse nome. Ao pé da letra.
Nessa história acompanharemos um mangaká, que, por consequência, ganha a vida escrevendo. Ou seja, trabalha com escrita. Shigoto e Kaku. Porém, esse mangaká é pai, e ele não quer que sua adorável filha descubra essa verdade.
Mas por quê? Porque o nome do mangá dele é “Bolas da Fúria”. E sim, trata exatamente do que você pensou. Não é hentai, mas é um gag-mangá, ou seja, um mangá de comédia. Só que com muitas piadas de baixo calão.
Então, na história, acompanhamos o mangaká Gotou Kakushi (e sim, é OUTRA piadinha com o título da história) na batalha constante de manter seu trabalho em segredo de sua amada filha, Gotou Hime.
Esse anime é uma adaptação do mangá mensal de Kōji Kumeta, mas eu não li o material original para dizer o quão fiel ficou.
Porém uma coisa é fato: dentre os gêneros oficiais, encontramos slice-of-life e comédia, mas o que mais me fisgava era o drama que estava acontecendo por trás dos panos. Seria esse drama em segundo plano outra brincadeira com o título do anime?
Não sei, mas, sinceramente, esse anime e seu conjunto de características “únicas” me convenceu não somente assistir, mas também a escrever sobre ele.
Kakushigoto tem uma premissa simples, mas que funciona
Assim como não precisamos de uma trama grandiosa ou grande embates dentro de um anime do tipo dia-a-dia, em Kakushigoto não foi diferente.
O enredo é simples. Simples mesmo. Mas isso é o que o torna tão palpável, simpatizante e interessante.
Como antes comentado, seguimos a vida do mangaká Gotou Kakushi, vendo o seu trabalho rotineiro de desenhar e escrever seu mangá. Ele possui diversos assistentes (divertidíssimos, por sinal). que o ajudam (ou não) em suas tarefas.
Porém, sua vida não é uma mar de rosas. Afinal, Gotou é pai solteiro.
E quem já leu meu artigo sobre como mangás são feitos, já tá sabendo que a rotina de um artista como ele não é nem um pouco tranquila. Vencer os prazos semanais nessa indústria não é tarefa trivial, então, como cuidar tranquilamente de sua querida filha, a Hime-chan?
Esse é o drama do personagem. Ele vive totalmente em prol de sua filha, porém não pode ser completamente honesto com ela (e nem consigo mesmo, afinal, ele curte mangá) por conta de achar que seu trabalho afetaria negativamente sua filha.
No caso, as pessoas poderiam começar a julgar ela, por conta dele.
E isso é a coisa que o Gotou-sensei menos quer na sua vida.
Uma narrativa que só quer divertir. Será?
Junto ao protagonista temos uma série de personagens vivendo esse dia a dia com ele. Alguns estão ali só pelo alívio cômico, e outros estão realmente participando do dia a dia protagonista. Principalmente sua filhinha, a Hime.
Com o passar dos episódios vemos como ela, mesmo sendo criança, amadurece aos poucos por conta das adversidades que ela precisa superar. Seja lidar com o fato de “serem pobres” (mas não são KKK’), por não ter uma mãe presente ou por ser, talvez, um pouco avoada (mas nem tanto).
É claro que a narrativa do anime é muito cômica para passar uma sensação de drama pesado. Digo, você (provavelmente) não vai chorar nesse anime.
Não é a intenção, afinal.
A intenção é você se divertir e se entreter, enquanto acompanha uma bonitinha história de pai e filha, coisa que não vemos (pelo menos eu não) em animes com muita frequência. Geralmente, o pai que é a figura ausente nas histórias, não a mãe.
Inclusive, esse é o fator que “prende” em Kakushigoto.
Porque na verdade no “presente” temos a Hime já como uma jovem de 18 anos, mas dos 20 minutos de cada episódio, 19 minutos nós vemos o “passado” da história.
Ou seja, estamos vendo o dia a dia dela com seu pai, mas um dia a dia que já parece não ser mais realidade. Aí então, em todo último minuto do episódio, nós voltamos para a realidade do “presente”, onde o Gotou-sensei não está presente.
O que aconteceu?
Só assistindo para descobrir.
O ponto forte de Kakushigoto
Esse lance de passar o anime inteiro te divertindo, mostrando o dia a dia gostoso e agitado de um pai solteiro com sua amada filha, acompanhado de outros personagens que contribuem (e bastante) para o teor cômico do anime, mas no final do episódio pisar o freio e mostrar que os dias gostosos e agitados acabaram é o que prende em Kakushigoto.
Eu não sei se esse estilo de narrativa veio do diretor Yūta Murano ou se foi do próprio autor original da obra. Como falei, não li o mangá… Mas eu achei simplesmente sensacional, chamativo e, principalmente, sacana.
Sacana porque você recebe esse baque já no primeiro episódio, mas você só percebe que isso será um padrão de TODO episódio lá pelo episódio 3, porque até ali, parece que a qualquer momento a narrativa do anime seja trazida completamente para o possível triste presente.
Mas isso não acontece.
Mas não leve isso como spoiler, porque sendo bem sincero, esse é o charme de Kakushigoto. É o que te prende. É o que te faz querer ver mais. Mas, principalmente, mostra o tal do “drama” que eu julguei faltar nos gêneros oficiais do anime.
O drama não é um dramão, mas ele está ali. E se você retirar um pouco das piadas, você conseguirá perceber que é uma história até que um tanto quanto triste, do ponto de vista do Gotou-sensei.
Principalmente porque ele não conseguiu superar a falta de sua esposa, e ele precisa manter esse trabalho por motivos de ~dinheiro~, para poder dar uma vida boa a sua filha enquanto mantém alguns… “Projetos paralelos”.
Mas este trabalho ele não pode nem conversar com sua filhota, o serzinho que ele mais ama nesse universo. Sua melhor amiga. Sua companheira.
Eu acho isso bem triste.
Uma parte técnica feita com capricho
Como de praxe, acho que é um padrão de animes que falam sobre animes, como Shirobako, ou mangás, como Bakuman, serem muito, mas muito caprichados.
Eu achei a arte em Kakushigoto muito boa. O traço dos personagens é muito característico, e conversa muito bem com o tema da obra. Digo, é um traço real, leve, mas que ao mesmo tempo é meio caricato, então fica fácil de comprar a comédia.
Além disso, a trilha sonora é bem interessante, sendo bem mais alegre e saltitante naqueles primeiros 19 minutos de cada episódio, mas naqueles minutos finais, sinceramente, as coisas mudam.
A atmosfera vira outra, provavelmente pela mudança súbita da saturação das cores, e, talvez, principalmente, pela trilha sonora. O semblante que a Hime tinha quando criança também some completamente, dando um ar real de amadurecimento.
O tema de abertura e a ending também são muito legais e muito bem produzidos. Na verdade, tem alguns detalhes que até “contam a história” na abertura. Muito legal!
Em suma, o estúdio Ajia-Do (Honzuki no Gekokujou, Isekai Maou to Shoukan) mandou muito bem nos quesitos técnicos da produção. Não deixou a desejar em nenhum dos pontos.
Mesmo nas cenas de mais “ação”, com personagens correndo como se sua vida dependesse disso, tudo ainda fica bonito. O que não é tão comum assim nos slice-of-life.
Ah, um ponto que ainda não comentei é que talvez o único ponto negativo desse anime é que boa parte das piadinhas são feitas por confusões de ideogramas e pronuncia de palavras, então, para não entendedores de japonês (como eu), parte da graça pode se perder.
Mas o diretor optou por mostrar imagens que ilustram bem e deixam claro os “mal entendidos”. Dá pro gasto.
Finalizando a crítica de Kakushigoto
Eu adoro animes do gênero slice-of-life.
Acho reconfortante a maneira como eles conseguem fazer a gente simpatizar com os personagens e entender como eles são, como eles agem e como eles vivem suas rotinas.
Seres humanos vivem em rotina. Então, acho interessante ver a rotina de outras “pessoas” (afinal, são pessoas 2D, mas ainda conta!).
A relação pai e filha é explorada ao máximo, já que o Gotou-sensei é um puta paizão coruja, enquanto a Hime-chan é bem sagaz, mas também tem uma personalidade imprevisível. A relação de amor paterno entre eles é de aquecer o coração, e você se sente muito bem assistindo.
Todavia, mesmo se sentindo bem, aquela alfinetada que vem ao final de cada episódio te deixa com uma pulga atrás da orelha que simplesmente não vai embora.
Mesmo que você esteja assistindo o “tempo passado” e achando divertido (e passando muita raiva com o folgado do Maruim, o editor horripilantemente chato do Gotou), você sempre fica com um pé atrás, porque parece que a qualquer momento Kakushigoto poderá puxar seu tapete e te mostrar um “tempo presente” que vai doer.
Para saber se o fim dessa história é feliz ou triste, você precisará assistir.
Mas se a pergunta é “Kakushigoto é bom?”, a resposta é: eu assisti e tô sentindo falta de poder deitar na minha caminha e ver 2 ou 3 episódios antes de dormir.
Se isso não define algo como “bom”, eu não sei o que define…