Barakamon foi uma recomendação de um fã da Cúpula e amigo meu, que com certeza acertou em cheio ao recomendá-lo para mim. Exausta, trabalhando como o Uramichi, e vivendo cada dia como se eu fosse incapaz de produzir qualquer tipo de arte, Barakamon foi o oásis no deserto. Sem dúvidas, eu consegui respirar de novo; um evento leve para uma alma arrastada pelo desespero.
Como é um anime bem pequeno (e slice of life), é improvável que eu entregue aqui qualquer coisa que seja spoiler. O que quero dizer, na verdade, é que a JORNADA que ele te entrega é muito mais importante do que informações aleatórias jogadas em sua cabeça.
Antes que você seja convencido(a) a ver Barakamon, segue aí a ficha técnica.
- Gênero: Comédia, Slice of life
- Estúdio: Kinema Citrus
- Material fonte: Web mangá
- Episódios: 12
- Página do anime no MAL
O que é arte?
Talvez seja um dos primeiros pontos que Barakamon se propõe a discutir. Seishuu Handa, calígrafo, ao ganhar um concurso, ouve de um curador de arte (especificamente, da caligrafia), que sua arte é conformista e plana. A não ser que você seja indiferente, mas, caso seja um artista, eu lhe pergunto: você gostaria que sua arte fosse igual a qualquer outra?
Não se preocupe, eu lhe respondo; você muito provavelmente odiaria a ideia de alguém lhe dizer que sua arte não é única. Ela não precisa ser a melhor, mas precisa ser VOCÊ.
E essa é também um pouco da essência de quando olhamos várias obras de um autor de mangá, por exemplo. Nós reconhecemos o traço, e imediatamente abrimos um sorriso: foi (insira o nome aqui) quem desenhou e escreveu isto.
E Handa, assim, sem mais nem menos, lasca um tapão no velho curador. Sua impulsividade leva seu pai e seu gerente a mandarem-no para uma ilha beeem longe de Tóquio, na qual ele deveria pensar sobre o que fez e sobre a própria arte. Olhando assim, parece um castigo dos bons.
E, chegando a essa ilha, Handa questiona um bocado de coisas, bem como também olha de relance para o mar e pensa em voz alta sobre ele não ter nada de especial, e que isso ocorreria porque seu coração estava cheio de fúria.
Logo nas primeiras cenas, uma importante lição é deixada: “Se o mar não parece lindo pra você, não é porque seu coração está cheio de fúria. É porque ele só fica nublado à tarde.”
A Caligrafia em Barakamon
Pessoalmente, fico muito feliz quando temas diferentes são explorados em animes. Ou, no caso, temas especificamente orientais, e que não têm muito a ver com o nosso cotidiano. Muito se fala sobre os autores “não mudarem a sua essência” por venderem obras ao mundo ocidental, mas sempre levam isso para o lado errado (e aqui incluímos ecchi ou pedofilia, por exemplo).
Todavia, podemos ver que algumas obras realmente expõem algo que NÃO vivemos, e não precisam de nenhuma dessas características moralmente questionáveis para isso. Barakamon não precisa de garotas mágicas seminuas, padrões dialógicos ou poderes fantásticos para ser uma obra oriental que represente o local de onde veio. Só precisou de UM núcleo para fazer isso: a caligrafia.
O Shodou (Shodō), que significa caminho da escritura, é uma arte japonesa que, apesar de ser ensinada nas escolas, não tem nada de fácil. Vez ou outra vemos um personagem por aí que seja um calígrafo, mas eu nunca imaginei que isso poderia se tornar tema principal de alguma trama. Lembrando por alto, consigo mencionar o Cherry Blossom, personagem de SK8 The Infinity, que manda umas manobras legais além de arrasar na caligrafia.
Fato é que é uma arte minuciosa, difícil e certamente muito complexa. E ainda que eu não entenda por completo a extensão disso, Barakamon me fez entender e criar empatia. Afinal, eu sempre quis escrever, porque acreditava que era o único jeito de fazer a minha alma falar. E Handa também o faz, com muito louvor.
O ócio como convite à criatividade
As nuvens nubladas no coração de Handa tinham um motivo muito específico: a incapacidade de conseguir se observar.
Em meio à vida corrida, espera-se que tenhamos um mínimo de produtividade, que será capaz de nos manter vivos. Contudo, é possível que não atendamos nem ao mínimo. Um artista, ainda pior: ele depende de lapsos constantes e contínuos de criatividade para atender à demanda expressiva que se espera de alguém incorporado à sociedade.
E, trazendo aquilo que já estudo há alguns anos, vejo perfeitamente delineado o bucolismo de Barakamon. Viver o hoje, trancar o inútil, fugir do urbano; assim como os poetas árcades uma vez já fizeram. O homem que vive em meio à cidade não é o mesmo que vive no campo, e a diferença entre os dois é o ócio.
E, aqui, deixo uma opinião completamente leiga, mas que é minha: arte é o que acontece quando a alma transborda. Quando estamos cheios de expressões de criatividade; quando nossos olhos, nossas mentes e corações se enchem tanto a ponto de explodirem. Aí, a arte surge. E será sua, será única!
Com Barakamon, acontecia o mesmo: todas as vezes em que Handa passava momentos únicos e felizes com aquelas pessoas hospitaleiras que havia conhecido, se enchia a ponto de ter vontade de criar. Não era a sua repetição de sempre, a meticulosa e perfeccionista arte calígrafa. Acabava por ser bagunçada, feliz e completamente divertida, tão livre que só poderia ter sido feita por ele mesmo.
A chave para isso foi Naru, uma pequena menina completamente enérgica e que trouxe a Handa mais trabalho do que qualquer grupo de crianças de cinco anos de idade poderia te dar. A menina é uma pestinha – e um amor.
Sobre os aspectos técnicos
Nada a comentar. Mas claro que irei comentar assim mesmo.
Há muitos momentos bonitos e bem animados. A trilha sonora é tocante e a música da opening combina totalmente com a vibe super leve que o anime quer te passar. A direção é sutil e gentil, como se quisessem passar também esse ar puro, de criança. Tudo se combina de forma tão simples que não há do que reclamar: não existe nada magnífico, mas a simplicidade o faz muito bem.
No final das contas, todos esses aspectos giram em torno de uma só perspectiva: o olhar aos personagens. A rusticidade e a simplicidade, muitas vezes, podem ser características positivas, porque redirecionam o enfoque ao que realmente importa. Um dos exemplos felizes disso é ODDTAXI, que faz muito bem em trazer ênfase ao seu roteiro.
Aqui, os personagens brilham, e Handa tocou muito no meu coração adormecido de alma artística.
Finalizando a análise de Barakamon
Pode até não parecer, mas ele é uma comédia, também. (HAHA) Não foi no que eu foquei, mas é porque todos terão visões diferentes de uma mesma história, e isso também faz parte do universo artístico. Por isso, sempre recomendo a todos que vejam e tirem suas conclusões a respeito de obras que considero boas. No caso de Barakamon em específico, eu recomendo MUITO!
Principalmente para você, que está cansado e com o coração nublado: o mar é lindo. Talvez só não pareça tanto para você porque você não tenha se encontrado ainda. E Barakamon é um aconchego aos corações dos artistas, bem como ode às boas interações. É uma história de superação própria, mas que carrega muito amor de outros, também.
Um dos pontos que mais gostei é que eles trazem constantemente, mas de maneira muito sutil, pequenas pressões, como o fato de ele já ter lá seus vinte e poucos anos e ainda não ter casado. Elas, então, são jogadas ao longo da história, e a gente não percebe (assim como fazem conosco), mas Handa vence a versão do imaginário alheio, seguindo em frente com aquilo que acredita.
Ou seja, traz boas interações de família, caligrafia japonesa, discussão sobre produtividade e crescimento pessoal – muito melhor que qualquer sessão de coaching! Depois dessa, eu saí até com vontade de escrever (e não é que fiz mesmo?).
Espero que você encontre sua criança interior (e seu artista interior) assistindo a essa obra incrível.