Se você assiste animes com frequência , é bem provável que você já se indagou coisas do tipo “Como anime é feito?”, “Quanto custa um anime?” ou “Quem paga para os estúdio fazerem animes?”. Certo?
Ou ainda, “O que é um key animator? Ou um animador de transição?“. Quem é o diretor dentro da produção de um anime e o quanto ele é importante?
Sim, são muitas perguntas. Mas vamos com calma… antes, contexto!
A aceitação dos animes como parte da cultura popular aconteceu de forma natural no território japonês. Afinal, cerca de 60% das animações do mundo são compostas por animes (2016), que, por sua vez, nascem em sua maioria lá na terra do sol nascente.
Ainda, segundo dados da AJA (Associação Japonesa de Animação), em 2016, os animes movimentaram cerca de 2 trilhões de ienes. Utilizando a cotação iene-real do dia da elaboração deste artigo, esse montante equivale a cerca de R$ 71,55 bilhões.
Sim, bi-lhões de reais!
Com esse montante dava pra construir 4 usinas cópias da maior usina hidrelétrica do Brasil, a Itaipu, sendo que cada uma custa R$ 17,4 bilhões…
É muita grana que animes movimentam!
Além disso, a AJA é formada por muitos dos mais relevantes estúdios do cenário da animação. Grandes nomes como o A1-Pictures (Sword Art Online, Nanatsu no Taizai) e o Bones (Mob Psycho, Boku no Hero Academia) compõem a associação.
Desde 2002, a associação trabalha com o objetivo principal de preservar e cultivar a cultura da animação da qual o povo japonês tanto se orgulha. Levar os animes para o mundo todo enquanto mantém os estúdios unidos também é um dos objetivos principais da AJA.
Outra ambição da associação é combater os crimes relativos à propriedade intelectual, principalmente a pirataria. Lembra do caso da Crunchyroll aqui no Brasil? Algo assim.
Eleita em 2016, a presidente da AJA, Kazuko Ishikawa, prometeu expandir a animação japonesa para além de seu local de origem, em conjunto com o projeto do governo japonês chamado “Cool Japan”. O projeto consiste em uma grande “propaganda” sobre a cultura japonesa (popular e tradicional).
Mas onde eu quero chegar…
Mesmo que os dados antes citados sejam de uns anos atrás, eles ajudam a perceber que os animes tem uma alta representatividade dentro do mercado japonês. E não só no mercado do Japão, mas sim no mundial. Chegarei lá.
Além disso, tais informações também reforçam que, apesar de parecer que os animes são apenas uma mídia voltada ao entretenimento, eles nascem dentro de uma indústria capitalista.
Sendo assim, ora é fria e complexa, ora é aconchegante e divertida.
E principalmente: visa o lucro. Não se esqueça.
Adiciono mais algumas perguntas à aquelas feitas no começo do texto:
Você sabe como os estúdios fazem os animes? Você por acaso tem alguma ideia de como esses desenhos animados dão lucro? Ou ainda, por que os animes são produzidos, qual o objetivo?
Com viés de sanar dúvidas como essas e aquelas varias outras, neste artigo tratarei sobre diversos aspectos sobre a indústria dos animes, bem como é a atual metodologia de produção das obras que tanto gostamos.
Abaixo, preparei um sumário simples que leva aos principais tópicos do texto. Sinta-se a vontade para pular as sessões do artigo que não lhe forem interessantes. Contudo, para um entendimento completo, recomendo que leia tudo, do começo ao fim, se possível.
É um texto grande pra cacete, entretanto.
Deu trabalho, pô. Então lê aí. Ou não. Você que sabe. Mas lê.
Vamos lá!
Sumário
Use os tópicos abaixo para ir direto para o ponto do artigo que mais te interessa!
- Como anime é feito, então?
- A indústria dos animes: desenhos movimentando muita grana
- Quanto custa um anime?
Como anime é feito, então?
Segundo o portal GenkiDama, “de forma bem geral, um episódio de anime é dividido em diversas cenas, que, por sua vez, são divididas em diversos cortes, que por sua vez são divididos entre quadros principais (ou quadros-chave) e quadros secundários (transição).”
O processo de produção em si de um anime pode envolver de centenas a milhares de pessoas (é sério). Por isso, o processo de produção é bem burocrático, complexo e caótico em alguns casos.
Deixei claro em outro artigo aqui da Cúpula sobre as temporadas de anime, mas reforço: os animes não são nem um pouco fáceis de ser produzidos.
Então, não é porque temos animes começando e terminado suas exibições em 3 meses que a produção dos meses dura também 3 meses. A produção costuma durar mais.
Bem mais.
Existem táticas para os estúdios ganharem tempo na produção de suas séries de anime, mas quem é que dá essa tarefa aos estúdios? Quem os contrata para animar alguma coisa?
Na verdade, a pergunta é: quem realmente quer anime sendo feito?
Mais à frente no artigo irei comentar melhor sobre como a indústria funciona (vendas, propaganda, etc.).
Desta forma, nessa parte de agora, irei antes alinhar com você de maneira mais sucinta como anime é feito de fato, ou seja, quem quer produzir, e quem realmente produz (mão na massa mesmo) os desenhos animados japoneses.
A fórmula de produção dos animes
Diferente de 30 anos atrás, atualmente existem diversas novas tecnologias e técnicas inovadoras que facilitam a elaboração, desenvolvimento e produção de um anime.
Contudo, segundo o site japonês NTT Publishing, a metodologia de produção de um anime não mudou muito desde os anos 90.
A Crunchyroll também tem uma matéria interessante que trata sobre este assunto. A matéria simplifica o passo a passo de como anime é feito.
Mas eu faço o mesmo aqui abaixo, por meio de um lindo infográfico resumido, e, posteriormente, por extenso.
E, sim, a parte extensa é tão grande quanto você espera. Ainda mais se você já me conhece por outras frentes da Cúpula.
O fluxograma abaixo representa o estilo mais “genérico” de produção (geral) de um anime.
Agora, o processo descrito por inteiro, como prometi. Here. We. Go.
Análise de mercado pelas produtoras de anime (pré-produção)
Essa é a parte de planejamento e orçamento dentro da produção de um anime. Nessa hora, a companhia de produção (Aniplex, Bandai, Kadokawa, Sony, Toho) está encarregada de levantar os custos para montar a staff de produção, a transmissão e a distribuição do anime.
A produtora começa com uma análise de mercado, caçando os materiais que realmente valem a pena serem adaptados. Os pontos mais óbvios de análise são aqueles que respondem a pergunta:
“Como podemos lucrar com isso?”
Um único episódio de um anime para TV custa, normalmente, entre 100.000 e 300.000 dólares. Desta forma, é óbvio que eles precisam escolher muito bem o que irão dar vida por meio de uma adaptação para anime.
E não se esqueça: Animes são propaganda!
Sim, eles existem para propósitos além do entretenimento.
Sendo assim, escolher a obra (ou ideia) certa para promover é o objetivo principal da produtora.
Resumidamente falando, eles [produtores] pagam os estúdios para fazer o anime, pagam a TV para exibi-lo e o licenciador para poder distribuir o anime dentro do Japão e também fora dele.
Sobretudo, eles [produtores] obtém seu lucro em cima das vendas. Às vezes, ou na maioria delas, diversas companhias de produção estão envolvidas na produção de um só anime. São os chamados “comitês de produção” (mais à frente eu explico isso melhor, mas o nome é bem intuitivo).
Os estúdios de animação, nessa história toda, são os reais responsáveis pela produção (mão na massa) em si do anime. São eles quem montam a equipe, e fazem o anime. Eles quem dão vida à obra, seja ela um material adaptado de light novel, de um jogo, mangá ou até mesmo uma ideia original.
Aliás, nesse último caso é bem comum o estúdio participar do comitê de produção, pois quando nós falamos de animes originais, estamos falando de um anime que não tem material fonte. Ou seja, a fonte, geralmente, é a cabeça do diretor, que, por sua vez, representa um estúdio.
Se o anime original faz sucesso, tem uma animação bacana e um bom roteiro, os méritos acabam ficando, também, para o estúdio. Por isso, nada mais justo do que eles ajudarem a pagar os custos de produção, não é mesmo?
Montando a equipe (staff) para produzir o anime!
O diretor é a grande mente criativa que, além de ser o líder da staff inteira, geralmente é também o responsável por montar essa staff.
Shinichiro Watanabe (Cowboy Bebop) Mamoru Kanbe (The Promised Neverland) Makoto Shinkai (Kimi no na Wa) Hayao Miyazaki (Ghibli)
Quando falamos sobre montar essas equipes, cada estúdio tem seu jeito de fazer isso.
Alguns possuem funcionário já contratados, como animadores, editores e production desks (“mesas de produção”, tipo os cabeça da produção, sabe?).
Outros, por outro lado, terão somente alguns funcionários essenciais para a produção de um anime, e para as tarefas “””menos importantes””” optam por manter uma grande rede de contatos de freelancers. E ainda existem estúdios que trabalham inteiramente com freelancers, dos cargos mais altos, até os mais baixos.
As aspas exageradas foram para deixar claro que, na minha opinião, todos os passos (e pessoas) são muitíssimos importantes dentro do processo de como anime é feito.
Inclusive, na verdade, se eu tivesse de elencar o mais importante, seriam os animadores.
Sem eles, não teria animação, afinal.
Mas isso fica para a próxima parte do artigo… Agora, falarei sobre as etapas mais notórias dentro da produção de um anime.
Storyboards
Além de montar a staff, também está dentro das responsabilidades do diretor a elaboração do storyboard. Em animes de audiência, como One Piece ou Naruto, ao contrário do que é nos animes de temporada, os storyboards geralmente são responsabilidade de terceiros também, não somente do diretor.
Contudo, em animes de temporada, o diretor é sim o responsável por montar o storyboard, majoritariamente. O storyboard contempla, basicamente, todos as cenas e seus respectivos cortes (ou cuts) imaginados pelo diretor, com algumas observações em anotações laterais.
Exemplos:
“Agora, esse personagem olhará muito rapidamente para a direita e falará algo impactante, enquanto encara o outro personagem!”
“Nessa cena, eu gostaria que a câmera entrasse mais de cima, mostrando uma visão panorâmica da paisagem.”
“Agora, ele vai servir o remédio da boca dessa menina, fazendo completamente parecer que é um pênis! Por favor, eu quero que fique claro aqui. Eu. Quero. Um. Pênis!” (quem pegou essa referência, pegou).
Reparem ainda que nos exemplos em imagem acima, é possível notar que podem existir enormes diferenças entre um storyboard e outro.
No primeiro exemplo, temos um super organizado, e feito digitalmente.
No meio, o mais comum, no papel, e até que organizado. Por fim, um storyboard completamente caótico e rabiscado.
E tá tudo bem. Afinal, o diretor não precisa saber desenhar bem. Ele precisa saber dirigir, liderar.
Num mundo ideal, os storyboards estariam 100% terminados antes mesmo de o primeiro episódio ser exibido. Mas não vivemos num mundo ideal.
Prazos apertados, orçamentos rasos e jornadas de trabalho mais do que longas (para todo mundo) dificultam e muito que animes sejam feitos de maneira utopicamente organizada.
Esse vídeo abaixo mostra parte do storyboard de Makoto Shinkai para Tenki no Ko. Mas esse cara é um caso à parte.
Layouts
Sob a supervisão do diretor, do diretor de episódio e as vezes até mesmo do produtor, o diretor de layout irá preencher os detalhes para que as cenas (cortes que geralmente possuem o mesmo plano de fundo, com alguns quadros de animação chave e de animação de transição, mas chegaremos lá).
Para executar essa tarefa, é preciso organizar os principais quadros em cores quentes em cima dos planos de fundo ou “backgrounds“, mas estes em cores frias. Ainda, com descrições de como a câmera deverá se mover nessa respectiva cena.
Em outras palavras, o diretor de layout está ordenando os frames de cada cut, e olhando a cena toda de uma perspectiva geral.
Animações chave e de transição (key animation e in-between animation)
Com os layouts prontos, o assistente de produção (sigla, PA) leva eles aos animadores chave (key animators). Esses sim que realmente dão vida as imagens, juntamente com os animadores de transição (in-between animators).
Seria um absurdo da minha parte entrar aqui na “arte da animação” em si. Sabe, entrar naquela discussão de feio, bonito? Bem feito, mal feito? Digo isso porque não tenho especialização alguma na área.
Mas, basicamente, os quadro chave são aqueles “mais importantes”, mais bem detalhados, geralmente em cenas com mais movimento.
Por exemplo, os quadros da perseguição do Levi, em Shingeki no Kyojin, feitos por Arifumi Imai. Dá uma curtida no vídeo abaixo para ter uma noção.
Outro exemplo de animação chave muito bem detalhada e fluida, mas que foge da ação, seria a dancinha da Chika em Kaguya-sama (um anime de comédia-romântica).
Os cuts completos são entregues, então ao diretor de animação daquele episódio (porque pode mudar de um episódio para o outro), que vai dar uma revisada na qualidade e consistência dos quadros chave.
Passou na aprovação? Agora é a vez dos animadores in-between!
Geralmente, esse pessoal é um pessoal menos “caro” que os animadores chave, pois eles são responsáveis pelos quadros de transição entre um frame e outro da animação chave.
Os quadros in-between são revisados pelo diretor de animações in-between para ter certeza que os quadros de transição entre os quadros chave foram feitos da maneira mais fluida possível.
Se em algum ponto o trabalho não passar pelos responsáveis, seja na key ou na in-between, os quadros deverão ser refeitos.
E o que é “Sakuga”?
Pretendo desenvolver um artigo exclusivamente sobre “O que é Sakuga?” e levantar algumas reflexões, mas como você talvez já tenha ouvido falar disso e queira pelo menos quer um resumo, vou sintetizar abaixo.
Sakuga (作画) são cuts, dentro da animação, onde fica bem claro que houve um muito trabalho extra para produzir, deixando a cena muito mais fluída do que as outras dentro do anime.
Um anime pode ter diversas cenas chamadas de “Sakuga”, como é o caso de My Hero Academia, que constantemente traz cenas com muitos quadros chave e efeitos para entregar uma qualidade final de deixar qualquer fã de animação de queixo caído.
A cena abaixo possuem spoilers de My Hero Academia e de Naruto, mas é um pouco fora de contexto. Talvez seja legal você dar uma olhada (mesmo sem ter assistido os animes) para entender melhor o que é “Sakuga”.
Então, bem à grosso modo, Sakuga é: cenas muito bem animadas dentro dos animes.
Existe, inclusive, uma grande comunidade que adora conversar e debater sobre Sakuga, conversar sobre os animadores responsáveis por essas cenas, e os engrandecer (como merecem) pelo trabalho feito.
Na jornada de “como anime é feito”, muitas vezes os cuts são feitos por 1 única pessoa, algo que é muito diferente de produções de desenhos ocidentais da Disney por exemplo, onde temos muitos animadores envolvidos num só cut.
Cores e CGI (computação gráfica)
Agora que a animação está completa, é hora do time de colorização, supervisionado pelo designer de cores, digitaliza, limpa e colore os cuts.
A partir desse ponto, os cuts começam a ser chamado de “células“. O “colorizador” (isso existe?) coloca as células coloridas sobre os planos de fundo (como antes fora especificado nos layouts) e adiciona quaisquer efeitos em CGI, sob a supervisão do responsável pelo CG da staff.
O último estágio da produção interna é filmar, onde a trilha sonora, efeitos especiais e a edição final já foram realizados.
Pós-produção
Com o final à vista, o assistente de produção manda as últimas células para o diretor de filmagem. Ele é quem supervisiona o processo de dublagem, no qual os times de pós-produção adicionam o trabalho de voz dos seyuu, efeitos sonoros e de música.
Isso concluí o processo inteiro, do inicio ao fim, de um único “cut” (corte) dentro da indústria dos animes.
No vídeo mais abaixo, a Crunchyroll fez uma matéria em vídeo bem interessante, onde eles mostram que um anime tem, em média, entre 200 e 300 cuts por episódio.
Ou seja, releia tudo o que escrevi até agora (menos a parte de pré-proudção) umas 300 vezes aí para só então você ter 1 (um) único episódio de anime.
Além disso, tem toda a história da fluidez e qualidade final da animação.
Digamos que temos 3 “ritmos” de animação mais comumente utilizados: 1s, 2s e 3s (ones, twos and threes).
Basicamente, animações mais fluidas trabalham mais próxima do 1s, medianamente fluidas no 2s, e as menos fluidas, no 3s.
Mais números sobre animação!
Usando números, segundo o site Washiblog, 1s seria algo como 24 frames (desenhos, quadros) por segundo, 2s seria a metade disso (12/s) e 3s algo como 8/s.
Cabe a produção e direção do anime escolher como será a animação em sua totalidade, mas tenha algo em mente: quanto mais fluido, mais quadros. Quanto mais quadros, mais tempo. Mais tempo, mais grana.
E o orçamento dos estúdios japoneses costuma ser raso, porque a maioria é usado em propagandas para divulgar o anime, sobrando ironicamente pouco para fazer o anime.
Por isso, animes costumam trabalhar bem longe do 1s, estando entre o 2s e o 3s. Um episódio completo de anime costuma ter, em média, algo entre 3000 e 5000 quadros (desenhos), segundo Crunchyroll e Washiblog.
Mas isso não é lei.
Para finalizar…
Após o ciclo de 1 cut inteiro, o editor separa, combina, edita, e então desenvolve todos os cuts já completados juntos, criando assim, 1 episódio.
Enquanto isso, o diretor e o diretor de episódio estão conferindo todos os estágios da produção para ter certeza que o produto finalizado faça jus à sua visão criativa. O núcleo principal de diretores revisa então o episódio já completo e dá (ou não) a aprovação final.
Tá afim de complementar essa sessão com algo em vídeo e didático? Dá uma curtida nos vídeos abaixo.
O primeiro é um dos únicos documentários na internet EM PORTUGUÊS que mostra um estúdio por dentro e todo o processo de adaptação de um mangá para anime.
Em segundo, deixo a recomendação para você que assista também o vídeo abaixo do canal Danny Choo, no qual ele apresenta uma “turnê” dentro do estúdio J.C. Staff, que produziu Kaichou wa Maid-sama, Toradora!, Shokugeki no Souma e outros grandes títulos.
A próxima sessão do artigo irá trazer de maneira um pouco mais objetiva (e talvez até um pouco redundante) o que vimos nesta sessão. Mas, a próxima foca em um profissional de cada vez, e não no processo inteiro como um todo e como serviço.
Caso não queira lê-la, clique aqui para pular a próxima sessão.
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Principais membros da staff: a linha de frente da produção de animes
Apesar de esse subtítulo parecer um pouco redundante em comparação com o último, não são exatamente a mesma coisa.
Nesse tópico, irei comentar melhor sobre cada profissional dentro da linha de frente do processo de como anime é feito. Ou seja, suas responsabilidades, tarefas, e à quem eles respondem.
É um tópico um pouco mais objetivo, porém interessante e complementário.
Tenha em mente que os cargos aqui não necessariamente são ocupados por pessoas diferentes. Muitas vezes, num mesmo anime, o mesmo animador chave experiente é o diretor de animação. As vezes, o roteirista é o próprio diretor. O diretor de layout, pode acabar sendo o diretor de filmagem, e por aí vai…
Além disso, admito que não encontrei bons exemplos “reais” em cada cargo abaixo, então tentei relacionar com os personagens de Shirobako. Caso você já tenha assistido, vai ajudar bastante. E se não assistiu, quando assistir, vai conseguir se encontrar melhor.
O produtor
Os produtores comumente trabalham para as companhias de produção do anime, em outras palavras, para o comitê de produção.
Watanabe Jun Katsuragi Koutarou
Eles são as pessoas encarregadas de encontrar as histórias que possuem maior potencial de lucro, por isso compõe a parte de pré-produção de um anime antes citada.
E para poderem escolher as obras certas para promover via anime (não se esqueça que animes são basicamente propagandas), produtores estão sempre antenados nas maiores revistas de mangás do Japão (ou nas menores, porém renomadas, caso sejam espertos), nas light novels que vendem um número relevante de volumes e também estão bem ligados na indústria dos games. Afinal, animes podem vir de diversas fontes!
Inclusive, produtores caçam boas ideias originais. Afinal, às vezes, uma tática dos produtores é bancar junto à um estúdio um anime original. Ou seja, um anime sem um material original para adaptar.
A propaganda neste último caso vem a ser sobre o próprio estúdio, pois no anime o estúdio mostrará à futuros investidores do que é capaz.
Por fim, os produtores possuem um peso enorme nas decisões mais importantes sobre o anime, porque eles são o elo entre o estúdio e os dinheiros investidores.
Production Desk
Eu não consegui pensar numa tradução maneira para o termo “production desk“, então acabei deixando ele em inglês mesmo. Seria algo como “mesa de produção”, ou “responsáveis pela produção”.
Miyamori Aoi, protagonista de Shirobako Erika, amiga da Aoi Honda-san, o chefe da production desk
Esse pessoal são aqueles que de fato fazem o trabalho ser concluído. Os membros dessa equipe são o PM (production manager, ou gerente de produção) e muitos PA’s (production assistant, ou assistente de produção).
O PM é o responsável por organizar o cronograma, a logística e também o orçamento do anime. O principal foco deles é entregar tudo dentro do tempo e abaixo do custo previsto (quando possível).
Os PA’s geralmente são responsáveis por 1 ou 2 episódios do anime, organizando todo o cronograma, logística e orçamento desses episódios. Os PA’s, logicamente, respondem ao PM.
O diretor
Ele é o mestre. Ele é o legislativo, o executivo e o judiciário, tudo junto. O diretor é o líder de todo o projeto e precisa prever o final de cada passo dado ao longo do processo inteiro de como anime é feito.
O diretor também é quem tem a palavra final em todas as decisões no que tange ao âmbito criativo do anime, como design, trilha sonora, cores, e até mesmo na fluidez da animação.
Ele é que diz o que está bom, e quando está bom.
Sua maior responsabilidade, contudo, é a elaboração do storyboard do anime. Afinal, faz sentido “a pessoa mais importante” cuidar do storyboard, porque sem isso o resto da equipe não tem como progredir.
Exemplos de diretores da área (fora os já citados no artigo):
Hideaki Anno (Evangellion) Goro Taniguchi (Code Geass) Mizushima Tsutomu (Shirobako)
O diretor de episódio
Nem toda série dispõe de diversos diretores de episódio, bem como vemos em Shirobako, onde o diretor é o diretor de todos os episódios do anime que eles estão produzindo. Ou pelo menos parece ser.
Enfim, o nome desse cargo é auto-explicativo. Muitas séries costumam, devido à alta carga horária de trabalho e os curtos prazos para produzir o anime, alocar responsáveis criativos por cada episódio. Estes são os diretores de episódio.
Os diretores de episódio trabalham coladinhos com o diretor geral, pois, como já dito, este último é o verdadeiro mastermind da parada toda e do processo de fazer anime.
O roteirista
Se o diretor é quem tem as ideias e as coloca num papel por meio da elaboração de um storyboard, o roteirista é quem será responsável por fazer aquele monte de ideias fazer sentido.
Maitake Shimeji, roteirista que teve que se virar nos 30 em Shirobako Midori, amiga da Aoi, aspirante à roteirista
Afinal, o roteirista é o responsável por alinhar todo o diálogo do episódios, bem como sua narrativa. Há quem diga que o roteirista é quem realmente dá vida aos personagens, à ambientação e ao enredo da história. Porque, sem ele, seria confuso ligar um ponto no outro.
Porém, não pense que todos os roteiristas trabalham exclusivamente sozinhos. Muitos costumam usar de uma equipe de escritores para compor o roteiro, e, nestes casos, o roteirista passa mais a ser uma espécie de editor.
Alguns exemplos de roteiristas da área:
Yoshino Hiroyuki (Magi, Accel World) Jukki Hanada (Chuunibyou) Masaaki Yuasa (Eizouken, Ping Pong the Animation)
O diretor de arte
Esse é o artista responsável por fazer o design do visual, do “feeling” da ambientação e fazer as ilustrações da série. Eles são os responsáveis por todo e qualquer cenário no anime.
Em outras palavras, o diretor de arte é o arquiteto do universo do anime. São eles os responsáveis por criar o mundo, e deixar ele interessante o suficiente para o espectador ter uma imersão completa na obra.
Além disso, o diretor de arte de um anime geralmente trabalha com os artistas responsáveis pelos backgrounds, e também são importantes o suficiente para ter peso nas decisões mais importantes dentro da produção de animes.
O diretor de animação
Esse geralmente costuma ser um animador mais experiente, que já enfrentou toda a frustração de prazos e de rotina que um animador mais iniciante ainda terá de enfrentar.
O diretor de animação é quem confere os quadros-chave (key animation) quando voltam dos responsáveis.
Os fatores a serem verificados geralmente são: consistência e qualidade do desenho. Um único episódio de anime pode ter vários diretores de animação, e estes podem ter ajudantes para ajudá-los a dar conta do trampo. Afinal, são muitos cuts num anime.
O designer de personagens
Essa pessoa será o responsável pelo design dos personagens.
Dentro das responsabilidades do designer de personagem, estão: checar e adaptar um personagem já existente para ver se é possível melhorar a forma de animá-lo ou criar, direto do rascunho, um design original para um personagem.
Eles são os responsáveis por dar vida e roupagem as personagens, utilizando de características e cores que sejam condizentes com a personalidade do personagem.
Além da roupagem clássica, eles também precisam mostrar como os personagens ficam em outras situações fora do cotidiano, tipo no episódio da praia ou no episódio da viagem escolar, onde o uniforme básico some e temos ~roupas normais~.
O diretor de layout
Mais conhecido como o diretor de fotografia, o diretor de layout é o responsável por posicionar as células (cuts com cores quentes) sobre o background (com cores frias). Eles quem cuidam da composição de cada cut.
É ele também quem faz recomendações ao diretor de como a câmera deveria se mover ou se posicionar para passar a sensação que o diretor busca.
O animador-chave (key animator)
Na minha opinião, essa é talvez a função mais importante (junto com a próxima) dentro do processo de como anime é feito.
Iguchi Yumi, animadora Segawa Misato, animadora experiente e diretora de animação Endou Ryousuke, animador experiente e diretor de animação
O key animator é o responsável por desenhar os quadros (frames) essenciais, movimentos importantes/relevantes ou até mesmo expressões faciais do respectivo cut que o foi designado.
É função também do animador chave deixar anotações e orientações para os animadores de transição (leia abaixo) e para o pessoal responsável por colorir os cuts.
Alguns animadores-chave famosos:
Yutaka Nakamura (FMA, Boku no Hero) Hiroyuki Imaishi (Kill la Kill, Gurren Lagann) Arifumi Imai (Shingeki no Kyojin)
O animador de transição (in-between animator)
Esses animadores são os responsáveis por desenhar aqueles quadro de transição entre os quadro chave feitos pelos key animators.
Ou seja, um único cut tem, por exemplo, 5 quadros chave muito bem desenhados e detalhados (dentro do possível).
Porém, se tivéssemos somente esses 5 quadros, a animação ficaria toda engessada e travada, por isso, é necessário que se façam diversos frames de transição entre os cinco quadros chave.
E é ai que entram os animadores de transição, fazendo quadros de “qualidade inferior” (porque não precisam mesmo ser bonitos) para os movimentos ficarem o mais fluidos possíveis, dentro do orçamentos. Sem eles, teríamos animações como essa:
Por isso, os considero muito importantes também. A pessoa quem checa a consistência, qualidade e revisão final dos quadros in-between é o supervisor de in-between.
Um bom disclaimer aqui é que animadores muito requisitados acabam ficando só com quadros chave, mas é comum animadores não tão renomados oscilarem entre cargos, dependendo da staff de cada nova produção do estúdio.
O designer de cores
A pessoa que exerce essa função é responsável por supervisionar, limpar, digitalizar e colorir os cuts. Por este motivo, os designers de cores geralmente trabalham em conjunto com o diretor de arte, pois este é o grande responsável por essas coisas.
O diretor de filmagem
Este é quem supervisiona todo o processo de dublagem, efeitos sonoros, e tudo relacionado a filmagem.
O próximo tópico será sobre como animes de fato geram dinheiro e sobre como surgiu o estilo comitê de produção.
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A indústria dos animes: desenhos movimentando muita grana
Mais cedo nesse artigo já mencionei coisas como “comitês de produção”, “animes de audiência”, “animes como propaganda”. Só que esses termos, apesar de serem quase que auto-explicativos, ainda assim merecem mais atenção.
Por isso, nessa sessão do artigo, focarei principalmente em conversar com você um pouco sobre como os animes que tanto fazem sucesso não só no Japão, mas no mundo todo, chegam ao mercado de fato.
Não como é o processo “mão na massa”, porque isso já vimos bem detalhadamente anteriormente no texto.
Talvez seja óbvio para quem já consome animes há muito tempo, mas a grande maioria dos animes produzidos não são histórias originais, ou seja, não são histórias que nasceram da cabeça do diretor do anime.
Sendo assim, sua grande maioria são adaptações de outras obras pré-existentes, como mangás, livros, novels e games, por exemplo.
O motivo é simples para isso…
Produzir um anime tendo como alicerce toda a popularidade de uma obra já existente com certeza mitiga diversos riscos e aumenta o potencial do anime em de fato gerar lucro.
Essa obra já tem seus fãs, então pelo menos estes fãs irão consumir o novo anime feito, né?
E antes de nos aprofundarmos mais, saliento que quando uso o termo “produzido” aqui, remeto à um “processo” inteiro, porque é isso que de fato acontece.
A ideia é esclarecer que a coisa toda não é simples o suficiente para você conseguir fazer um anime na sua casa, ou até mesmo no clube da escola, como vemos na série Eizouken.
Por fim, para fazer anime, que gera dinheiro, você precisa, primeiro, de dinheiro. Dã.
Qual o intuito de fazer um anime, no fim das contas? Como animes geram lucro? Vamos com calma…
A boa e velha propaganda dentro da indústria dos animes
De acordo com Richardson Kilis, editor de notícias do MyAnimelist, até o começo dos anos 90 o capital da indústria de animes vinha de uma maneira muito similar ao das companhias de televisão, que é o lucro através de propagandas.
No passado ainda não existia a cultura de comprar DVDs, Blu-rays ou figures de animes, pelo menos não como é hoje em dia. Naquela época, a propaganda era a única alternativa que viabilizava o lucro através da exibição de animes.
Até mesmo nos dias atuais as redes de TV lucram com patrocinadores que pagam para ter seus produtos divulgados durante a programação.
As produtoras de animes, por sua vez, monetizam mediante à um contrato previamente feito com o canal em questão, geralmente.
Situação de risco: surgem os comitês de produção de anime!
Em 1991, o estado da economia japonesa não era favorável a investimentos arriscados, então, os investidores passaram a optar por abordagens mais conservadoras, já que o país estava vivendo uma “bolha financeira”. E não vou nem tentar explicar tal conceito por aqui, então vá pesquisar se quiser saber mais.
Naturalmente, após tal decisão, as produtoras começaram a dividir o risco de suas produções através do uso do método de comitês de produção.
Desta forma, os investidores vieram dos mais distintos âmbitos. Empresas de brinquedos, produtoras musicais, estúdios de animação, etc.
Enfim, todos os interessados em um projeto específico dividiam os custos de produção dele, para que, se desse ruim e o barco afundasse, todos afundavam juntos, mas não se afogavam!
Chance de negócio: o estopim para surgirem os comitês de produção de anime
Ainda segundo Kilis, em 1995, surgiram programas de rádio apresentados por dubladores de animes, e, mesmo que eles fossem transmitidos tarde da noite, eles se tornaram bem populares.
Vendo uma nova chance de capitalização, as produtoras de TV começaram a liberar seus horários mais tardios para a exibição de animes, mas eles tinham um problema: quem em sã consciência, em uma época economicamente delicada, iria arriscar uma ré tenebrosa ao investir em propagandas que passassem em um horário que não tinha muita audiência? Não sou especialista, mas não me parece uma boa ideia.
Simultaneamente ao surgimento dessas rádios, o sucesso estrondoso de Neon Genesis Evangellion chamou a atenção de vários investidores.
Eu imagino que tudo o que passava pela cabeça deles era algo do tipo: “quero fazer o próximo megahit, o próximo Evangellion, mas é arriscado eu entrar sozinho.”
Nasce então, o estilo comitê de produção, que é muito utilizado desde que foi criado, já que os investidores conseguem entrar com maior segurança no mercado e realizar produções que sozinhos talvez nunca conseguiriam.
Olhar interno: entrevista com animadores reais
Nessa parte do artigo, vou sintetizar uma entrevista publicada no site Kotaku USA. Fique à vontade para clicar aqui e ler no site deles, porém esteja avisado que está em inglês.
A ideia é apontar que apesar de ser um grande fã da animação japonesa, eu não passo pano para ela. Ainda mais porque temos casos de animadores trabalhando 15 horas por dia, de domingo a domingo, tendo de dormir no estúdio ou deixando de tomar banho para cumprir os prazos, e o pior: ganhando menos de 500 dólares/mês.
Isso é menos que um estudante do ensino médio faz trabalhando em lojas de conveniência lá no Japão…
Numa entrevista do canal Asian Boss, a apresentadora do programa fala com uma animadora sobre as condições de trabalho e de vida dela como animadora de anime por lá.
Em certo ponto, a host pergunta: nossa, você trabalha muito [15h/dia], mas com essa quantia que você ganha [menos de 400 dólares/mês], você consegue sobreviver bem?
E sabe o que a moça responde?
“Eu aprendi a ignorar a fome para poder trabalhar com o que eu amo”.
Revoltante.
O vídeo abaixo mostra essa realidade na íntegra, e ele levanta informações assustadoras sobre como a maioria esmagadora (sei lá, uns 90%) dos animadores desistem da profissão nos 3 primeiros meses por conta dessas condições sob-humanas.
O vídeo tá em inglês, mas é muito esclarecedor (e triste), então se você manja de inglês, aconselho ver alguma hora para ter esse “choque”.
Em mim bateu forte.
Entrevista: O começo da jornada de um animador japonês, com Thomas Romain
Em 2003, Thomas Romain, um animador francês, foi à Tokyo para trabalhar como diretor e diretor de arte em uma série de anime chamada Oban Star-racers.
O projeto foi invenção de um colega de trabalho, Savin Yeatman-Eiffel, e, juntos, eles trabalharam durante muito tempo em Paris. Entretanto, na época eles não tinham recursos suficientes para manter a produção.
Concluir Oban Star-racers era mais do que um objetivo, era um sonho. E para alcançar este sonho, eles precisaram buscar trabalho no maior produtor de animações do mundo: o Japão.
“Eu amo desenhar e amo animação 2D, e esse é o melhor país para trabalhar se quiser aprender sobre o âmbito, pois há tantos animadores brilhantes, diretores, estúdios; todos produzindo conteúdo interessante. Eu só queria fazer parte disso, a qualquer custo.” – Romain
Após a produção de Oban Star-racers, Savin provavelmente voltou à Europa, mas Romain ficou no oriente e passou a criar a concept art de Basquash!, além de trabalhar como diretor de arte e key animator na série.
Além disso, o francês fez direção artística para Senki Zessho Symphogear, entre outros serviços relacionados a produção de animes.
Sobre a rotina de um animador japonês
Brian Ashcraft, um dos redatores do Kotaku USA, mandou uma série de perguntas a Romain. Foram vários questionamentos, mas todos elas remetiam a um mesmo tópico: como opera de fato a indústria dos animes japonesa. Não como anime é feito, mas sim o processo todo mesmo.
Romain deixou claro em suas respostas que a atuar dentro da indústria dos animes não é uma tarefa trivial, já que o povo japonês pode ser um pouco difícil de se lidar, principalmente quando você não fala japonês ou não consegue acompanhá-los na produtividade.
O animador francês ressalta que para os animadores japoneses gostarem de você, primeiro você vai ter que aguentar viver como eles. Ou seja, trabalhando muito e ganhando pouco.
“Eu até trabalhei no dia do meu casamento, o que foi estúpido quando penso nisso, mas significava algo para mim naquele momento. Este é o Japão, e você precisa se adaptar para sobreviver. No fim, depois de demonstrar que é talentoso e trabalhador, você nunca terá de se preocupar em encontrar um emprego na área da animação japonesa.” – Romain
Animadores japoneses ganham pouco? Pouco quanto?
Com ganhar pouco, é pouco mesmo. Romain chega a utilizar o termo “pobre” para descrever os animadores orientais em sua maioria, já que suas condições de vida são bem precárias quando comparadas as dos animadores do ocidente.
Contudo, apesar das agendas abusivas e horas extras não pagas, os animadores japoneses tendem a ser amigáveis com estrangeiros.
Eles também ficam intrigados do porquê de gente do mundo todo querer ir pro Japão trabalhar com animes, já que, para eles, os animes são algo comum, presente no dia-a-dia. Não são “exóticos” como o resto do mundo costuma tratá-los.
Qual a “pior” parte da rotina do animador de anime?
Quando questionado quanto à parte mais difícil de trabalhar na indústria da animação, Romain respondeu o seguinte:
“Definitivamente, a pior parte é a grande quantidade de trabalho para fazer à curto prazo. Admito que eu fiquei surpreso com quão apertada é a agenda e quão escassos são os times de produção devido à falta de mão-de-obra.
Além disso, os estúdios ficam abertos 24/7 e o pessoal trabalha até nos feriados, na maioria das vezes. Não bastasse isso, você recebe e-mails urgentes durante a noite. Ainda, é bem normal ter reuniões durante a noite ou até mesmo nos finais de semana.
E o animador completa:
Por lá, você precisa estar preparado para trabalhar duro para atingir o mesmo nível de seu colega de trabalho japonês, caso contrário você correrá o risco deles não te aceitarem como um deles.
Outra coisa que me surpreendeu foram os milagres de produção. Os Japoneses tem a habilidade de resolver tarefas impossíveis muito rapidamente[…]
[…]Nada vai de acordo com o plano inicial. É exatamente na hora que todos acham que não dá mais tempo e que o projeto nunca será concluído, que o projeto começa a acelerar e se encaminhar.
O pessoal trabalha dia e noite sem desperdiçar um minuto sequer, e, pode parecer mentira, mas quando você vê um filme na sua estreia ou assiste um anime na TV, muitas vezes as pessoas ainda estavam trabalhando até poucos dias atrás na produção. Às vezes, na verdade, o título vai ao ar mesmo sem estar completo, e a animação é polida somente na versão DVD/Blu-ray.” – Romain
Com isso, é possível perceber que as produções são organizadas daquele jeito meio desorganizado, sabe? Só que, em meio à diversos contratempos, tudo costuma acabar bem, afinal, estamos falando do Japão, né?
Foco, força e companheirismo dentro da indústria dos animes
Segundo Romain, você precisa ter nervos de aço e ser dedicadíssimo para se manter trabalhando na indústria dos animes. Às vezes, o que acaba por impedir alguém de trabalhar, não é nem falta de vontade, é a saúde.
“Pelo bem do estúdio e do time, eles fazem o impossível. Até mesmo ficando dias seguidos no estúdio, sem ir para casa, colocando suas saúdes em risco. Eu já vi pessoas indo para casa somente uma vez por semana ou trabalhando 35 horas seguidas[…]
[…]A expectativa de vida entre animadores não é muito alta. Infelizmente, eu já vi pessoas morrendo no trabalho.” – Romain
A vida de quem trabalha na produção e desenvolvimento de animações japonesas não é moleza, já deu para perceber né? Concluindo a entrevista sobre como anime é feito.
O francês afirma:
“Como artista, trabalhar com animadores japoneses me ajudou a crescer e progredir. Eu aprendi a ser mais preciso na maneira em que idealizo as coisas. Não pensar só nas formas e no visual, mas também levar em conta como ficará quando animado.
Aprendi também a ser paciente. O povo japonês vai dar a você ótimas oportunidades de trabalho se eles acharem que você se esforçou o bastante para merecê-las. Atalhos não funcionam por aqui (fato este que é reconfortante de certa maneira).
A indústria é baseada na experiência e confiança. Independentemente de onde você trabalhe, você pode ter certeza que estará rodeado por um ambiente que você pode respeitar àqueles que estarão acima de você, e ainda, poderá aprender com eles.” – Romain
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Quanto custa um anime?
Até agora falamos sobre a produção de animes começa, como é durante o processo (a parte “mão na massa mesmo”) e também demos uma olhada em como as empresas investidoras compõem os comitês de produção.
Porém ainda não havíamos chego na parte de “quanto custa um anime”, e o motivo para isso é simples, ao mesmo tempo que frustrante:
É muito difícil encontrar qualquer tipo de informação relacionada à esse tópico na internet. Esse tipo de dado parece ser estritamente restrito e limitado, e muito pouco divulgado.
E não duvide da capacidade dos japoneses de limitar o que vai de fato para a internet, porque eles tem políticas muito rigorosas sobre esse tipo de assunto. Um bom exemplo são casos como o de mangakás famosíssimos e milionários, mas que não possuem mais do que 1 foto (ou nenhuma mesmo) na internet. Consegue ver isso acontecendo no ocidente? Acho que não.
De qualquer maneira, mesmo com essa limitação, em minha pesquisa coletei informações relevantes e que podem servir como base para sabermos quanto custa um anime.
Custo de um anime: é caro mesmo?
Em 2016, o blog Intoxi Anime postou alguns valores para produção de animes. O custo de produção costuma variar entre 1~2 milhões de dólares para animes de 10 a 13 episódios, e de 2~4 milhões para os de 20-24 episódios.
Masamune Sakaki, que trabalha com CG na indústria dos animes, comentou em entrevista [2017] que um anime de temporada de 13 episódios custa, em média, 250 milhões de ienes, que convertendo nos dá algo como 2 milhões de dólares.
Além disso, Takayuki Nagatani, um dos produtores de Shirobako (anime sobre fazer animes que venho falando até agora), apontou que esse título lhe custou 4 milhões de dólares para ser produzido. Só que aqui não entram os custos voltados para divulgar esse título, sendo este valor somente para produzir mesmo.
Desta forma, Shinji Takamatsu, um animador experiente, complementa que para divulgar a obra, estima-se um valor aproximado de 1,2 a 1,6 milhões de dólares.
Mas lembre-se: esse valor é completamente variado, porque os produtores podem querer nem anunciar nada (e dar um tiro no próprio pé), ou podem querer gastar até mais com divulgação do anime do que com a produção do mesmo. Tudo é marketing, como diria Seth Godin. E eu concordo.
A Crunchyroll e o ANN nos ajudam a responder “quanto custa um anime…
Para complementar, a Crunchyroll nos trouxe em 2010 uma matéria sobre o assunto. Nesta, a empresa divulgou dados obtidos pela Media Development Research Institute, que apontou valores estimados para cada etapa da produção de um anime. Os valores estão desatualizados, porém, nem tanto, porque o dólar não é igual o real, que num ano vale 3, outrora vale 6 rs. Seguem:
- Trabalho original – 50,000 ienes ($660)
- Script – 200,000 ienes ($2,640)
- Direção de episódio – 500,000 ienes ($6,600)
- Produção – 2 milhões de ienes ($26,402)
- Supervisão de animação-chave (key) – 250,000 ienes ($3,300)
- Animação-chave (key) – 1.5 milhões de ienes ($19,801)
- Animações de transição (in-between) – 1.1 milhões de ienes ($14,521)
- Acabamento – 1.2 milhões de ienes ($15,841)
- Arte (backgrounds) – 1.2 milhões de ienes ($15,841)
- Fotografia – 700,000 ienes ($9,240)
- Som e efeitos sonoros – 1.2 milhões de ienes ($15,841)
- Materiais – 400,000 ienes ($5,280)
- Edição – 200,000 ienes ($2,640)
- Printing – 500,000 ienes ($6,600)
Assim, sendo bem sincero, é um pouco complicado de saber quais tópicos aqui representam as etapas antes citadas no artigo. Mas pelo menos da para ter uma base do total, que somando, nós dá a quantia de 145 mil dólares por episódio.
Com isso, dá para dizer que, pelo menos em valores médios, conseguimos responder “quanto custa um anime?”.
“Caramba, mas produzir um anime é caro então!”
Pode até parecer um valor absurdo para um desenho animado, mas, na verdade, é um valor bem plausível e até considerado “barato” por estudiosos.
Só para comparar, Frozen (da Disney) custou cerca de 600 milhões de reais. O filme teve aproximadamente 1h50 de duração. Um anime de 12 episódios totaliza umas 4h de duração.
Ou seja, o desembolso para Frozen foi cerca de 75 vezes maior do que um anime “caro” de 12 episódios. Colocando assim, faz sentido que animes sejam considerados um investimento “barato”, né?
Comparando custo de animes com outras animações
Antes vimos que animações mais tradicionais, geralmente ocidentais, costumam ter um nível de produção mais elevado que o de animes.
Ou seja, a qualidade da animação é superior, mais fluida e mais consistente, bem como os custos com mão-de-obra costumam ser mais caros também (porque no Japão boa parte da mão-de-obra é mal paga, lembrem-se).
Algumas fontes defendem que animações bem conhecidas, como Os Simpsons ou os desenhos clássicos em 2D da Nickelodeon, custam, em média, de 600 a 700 mil dólares por episódio. Contudo, a mesma fonte cita que podem chegar até mesmo a 1 mi a 2 mi, dependendo do episódio.
Avatar a Lenda de Aang foi estimado em cerca de 1 milhão por episódio, e talvez ele seja um dos exemplos mais próximos dos animes, sendo um murikanime.
Na mesma fonte, um dos participantes da discussão (que aparentemente é diretor de um pequeno estúdio de animação) citou algo como 100 dólares/segundo de animação.
Isso totaliza cerca de 6.000 dólares por minutos. Num episódio de 20 minutos, temos 120.000 dólares. Então, novamente, os valores batem com os de outras fontes já citadas.
Porém, o diretor afirma que esse é provavelmente um custo muito baixo, e poucas animações custariam apenas 100/segundo, sendo um calor de 300 dólares/segundo algo bem mais “realista”.
É difícil saber exatamente quanto custa um anime, mas bem, são várias as fontes que apontam esse custo entre 100 e 300 mil por episódio. Então, fico com ele.
Calculadora de custo de animação, num geral
Em minhas pesquisas, encontrei uma calculadora que calcula o custo para produção de animações num geral, sejam elas em 3D, 2D, anime, Disney… enfim, praticamente tudo.
Apesar de óbvio, acho bom deixar claro: esse tópico é apenas uma estimativa.
Como comentei, custos destas produções não são facilmente encontrados na internet, mesmo pesquisando em outras línguas. Pelo menos, eu não obtive tanto sucesso. Fique a vontade para complementar na sessão de comentário como puder.
Sendo assim, essa calculadora apresenta valores até que “aceitáveis”, tendo em vista o que viemos conversando ao longo desse artigo.
Estimando quanto custa um anime: como você quiser
No meu exemplo, fui com 2D Animation > Anime > Duração 20 minutos > O máximo possível para “Television”. A ideia era medir algo tipo Naruto ou One Piece, por exemplo.
O custo final ficou em 320 mil dólares (por 1 episódio, 20min), o que bate com a fonte antes citada no artigo [da Crunchyroll] que cita valores entre 100 mil e 300 mil, se pararmos para analisar.
Porém no site, o item “Anime” está simbolizado com uma foto do Totoro, do Studio Ghibli. Isso me leva a concluir que o nível “anime” de animação dessa calculadora não é, nem de perto, o que é a realidade de obras como One Piece e Naruto.
Afinal, uma animação do Ghibli é imensamente mais fluida e consistente, e muito melhor produzida num geral, porque é um filme de um renomado estúdio japonês.
Desta forma, esse valor de 320 mil cairia bastante para Naruto e One Piece, chegando, quem sabe, nos 100 mil/episódio.
Faz sentido pensar assim? Não sei, mas, foi o que consegui.
Outro teste!
Num segundo site, obtive o valor de aproximadamente 250 mil. Ajustei como 2D Animation > Tradicional > 20min > E baixei a qualidade para o mínimo.
Não dá para dizer que é “o mesmo custo”, porque uma diferença de 50~70 mil nesse caso representa uma redução de mais de 20% do valor antes citado.
Para animes como One Piece, que possuem mais de 800 episódios, imagina a quantia colossal de dinheiro que seria uma economia de 20% por episódio. Sei que são poucos que tem tantos episódios, mas 20% é 20%, e ainda assim, dinheiro é, e sempre será, dinheiro.
Acesse aqui a segunda calculadora!
Como animes geram lucro, afinal?
1) Aumentando as vendas do material original (mangá, novel, jogo…)
Uma delas é o aumento da vendagem do material original (mangá ou light novel, por exemplo), devido a notoriedade concedida ao título em questão após a exibição do anime, seja lá onde ele tenha sido transmitido.
KonoSuba se encaixa bem aqui, já que sua adaptação para anime fez com que as vendas da light novel aumentassem em quase 3 vezes!
2) Venda de DVD/Blu-ray de anime
Os boxes de DVD/Blu-ray de animes são material de luxo no Japão, já que podem custar até 400 dólares (entre 200 e 400, por aí), que é praticamente o preço de um PS4 por lá.
Por isso, muitos animes tem como objetivo principal a venda deste tipo de material.
Estima-se que, na época [antes de 2015, antes do streaming], um anime deveria vender, em média, 3000 cópias por volume de DVDs/Blu-ray para conseguir pagar seus custos de produção, e, para ter chance de uma segunda temporada, precisaria vender pelo menos de 5000 a 7000 cópias.
À fim de exemplo, o anime Bakemonogatari, da confusa Série Monogatari, atingiu o exorbitante valor de 79.000 cópias/volume vendidas, dando um lucro insano aos seus produtores. Não é à toa que é um dos mais vendidos de todos os tempos (anos 2000+)!
Casos como o de Bakemonogatari fazem os olhos de investidores brilharem à ponto de tentar entrar nessa “roleta-russa dos animes”, dia após dia, temporada após temporada.
Afinal, nunca se sabe qual será o próximo megahit! Às vezes, eu gosto de comparar a indústria dos animes um grande jogo de azar: na maioria das vezes você rasga dinheiro (ou só paga os custos), mas as vezes, jackpot!
3) Produtos diversos relacionados ao anime (ou, leia-se “marca”)
Um anime também pode ser uma grande propaganda para produtos que remetam a ele. O maior caso nesta categoria provavelmente seja Pokémon, já que, para quem não sabe, surgiu para promover os jogos da franquia.
Ainda no âmbito de propaganda, temos outros grandes títulos como One Piece, Naruto, Bleach, etc. Esses animes “grandes”, geralmente não tem como foco a venda de DVD/Blu-rays (apesar de venderem bastante, às vezes).
O foco deles é vender produtos relacionados a eles, como action figures, brinquedos, roupas e jogos. Ou até mesmo aumentar as vendas do material original, como antes já mencionado no primeiro tópico dessa lista.
4) Licenciamento e streaming online de animes (Crunchyroll, Netflix, Prime Video…)
Atualmente, o licenciamento vem ganhando muita força neste mercado.
Segundo dados da AJA, entre 2006 e 2016, a receita proveniente da mídia em vídeo da indústria dos animes aumentou cerca de 9,5%, enquanto o crescimento do mercado de licenciamento aumentou em 58% no mesmo período!
Richardson Kalis [o redator do MAL antes citado] afirma que licenciando seus conteúdos, as companhias de produção de animes serão capazes de aumentar o raio de atuação de seus produtos, já que eles estarão presentes em diversos outros meios além dos vídeos animados, e, ao mesmo tempo, atrairão novos fãs!
Plataformas de streaming como a Netflix e a Crunchyroll estão investindo pesado na compra de direitos de animes.
Na verdade, estas empresas já estão entrando em comitês de produção, como a Crunchy fez em The Rising of the Shield Hero.
O lucro dessas plataformas se dá principalmente pelas suas mensalidades, até onde se sabe. Ou por propagandas, como é o caso da Crunchy se você não é assinante premium.
Um fato que corrobora com a ascensão da cultura streaming é a pesquisa recente (2019) que comprova que essa metodologia de distribuição ultrapassou o método convencional de venda de DVDs.
Clique aqui para voltar ao sumário!
Finalizando…
No último relatório da AJA (2017), foi possível perceber um aumento significante da representatividade da renda via distribuições na internet de animes.
Além disso, o mesmo relatório mostra que a TV vem perdendo força desde 2014! Será que no futuro teremos só plataformas online para ver anime?
Em 2018, segundo a Crunchyroll, o lucro por streaming chegou a ultrapassar o lucro por outros meios (a matéria em inglês é mais completa)!
Reforço que estas foram só algumas das finalidades para as quais os animes são produzidos, pois, se não me engano, tiveram casos de milionários japoneses bancando um anime inteiro só porque tiveram vontade. No caso, sim, pessoas com muito dinheiro podem ser “Produtores”, pelo menos dentro da ala de “investidores”.
Espero que com as informações deste artigo você passe a ter uma visão mais clara de como funciona a indústria dos animes, como anime é feito, e o processo de produção mesmo, como o papel de um diretor ou sobre key animation, ou até mesmo quanto custa um anime.
À fim de complementar um pouco o seu conhecimento, recomendo uma das melhores obras já feitas que trata sobre a indústria dos animes: Shirobako.
Além disso, manda esse artigo para aquele seu amigo ou amiga que também curte aprender mais sobre esse vasto mundo da animação Japonesa!
Por fim, fica o questionamento final: você tem a força de vontade necessária para encarar a rotina de um animador japonês dentro da indústria dos animes?
Clique aqui para voltar ao sumário!
Fontes (fora os vídeos, que são fontes que já estão com os nomes de seus criadores):
- Anime Industry Data (AJA)
- Crunchyroll age contra a pirataria
- Cool Japan
- NTT Publishing: Estudos de animação
- Crunchyroll: Uma breve explicação sobre como os animes são feitos
- The Art of Animators (or Sakuga)
- A Beginners Guide to Making Anime
- Anime Production – Detailed Guide to How Anime is Made
- Animation Production Guide
- Anime Production 101: How Anime is Made
- Anime: Shirobako (sim, é isso mesmo!)