Se você já é cachorro velho dentro dessa maravilhosa, interessante e divertida aventura que conhecemos como “ler mangá”, perguntar coisas como “o que é mangá?” ou “como ler mangá” pode soar até ofensivo. Então, tenha em mente que esse artigo talvez não seja para você (apesar de que você com certeza vai aprender uma coisa ou outra mesmo já sendo fã).
Bem, indo direto ao ponto, no língua japonesa, a palavra “mangá” se escreve com os ideogramas 漫画 (“man”, “ga”).
Enquanto “man” seria algo como “sem responsabilidade”, “irresponsáveis”, ou até mesmo “divertidos”, “ga” seria “imagens”, “desenhos”. Sendo assim, juntando os dois, ao pé da letra (nunca faça isso) teríamos “desenhos irresponsáveis”, “imagens sem responsabilidade, divertidas”.
Mas utilizando o bom dom chamado língua portuguesa realizando uma tradução apropriada, chegamos em “histórias em quadrinhos”.
Então, sim, mangás nada mais são do que histórias em quadrinhos japonesas. E nada do que você fale ou pense irá mudar isso.
Não elitize o mangá, porque ele não é elitizado nem no Japão. Aliás, lá é comum até mesmo o pessoal jogar revistas de mangá no lixo após lê-las.
Além disso, não julgue quem chama mangá de história em quadrinho, porque ele é uma história em quadrinho, só que japonesa.
Porém, é evidente que ao pegarmos um gibi da turma da Mônica ou até mesmo uma HQ do Homem-Aranha iremos logo de cara perceber muitas diferenças, principalmente nos traços, na colorização e na narrativa.
Minha intenção com esse artigo será em, poucas palavras, mostrar como surgiram os mangás, como eles são publicados e até mesmo um breve tutorial de como ler mangá (ninguém nasce sabendo, né?).
Então vamos lá!
Sumário
Como surgiram os mangás?
Brinquei com o subtítulo porque eu já desprendi mais de 11 horas em pesquisa e desenvolvimento de um artigo sobre a história “completa” de como os mangás começaram, e como viraram o que são hoje.
Entretanto, como ninguém tem saco para ler mais de 10 minutos hoje em dia, então vou dar uma resumida…
Antes de mais nada, é importante você saber que no Japão a introdução dos mangás na sociedade foi muito orgânica e natural, afinal, os mangás surgiram por lá já tem mais de nove séculos!
Antigamente, os mangás apenas traziam histórias do dia a dia das pessoas, e existiam com a pura intenção do entretenimento (para homens, porque na época, mulheres mal eram consideradas seres humanos).
Felizmente, tudo evolui.
Estes pergaminhos foram se desenvolvendo e virando histórias desenhadas em papel (mesmo que alguns historiadores acreditem que estes pergaminhos nada tem a ver com a origem dos mangás, mas eu discordo, só que eu sou um zé ninguém), para posteriormente em livros e revisas.
Esse desenvolvimento se deu, principalmente, pela chegada dos europeus na terra do sol nascente (Japão, para leigos).
Antes da chegada deles, tínhamos por lá os kibyoshis (livros ilustrados). O primeiro (e talvez as primeiras histórias em quadrinhos do mundo), segundo registros históricos, pode ter sido o Hokusai Manga.
Como já mencionado, os temas abordados nesses “mangás do passado” poderiam ser sobre o cotidiano dos japoneses, bem como paisagens num geral e situações de humor interpessoal.
Influência externa no que, de fato, é mangá
Durante a Revolução Industrial, um dos mais influentes cartunistas europeus chegou ao Japão, Charles Wirgman. Ele criou um jornal satírico chamado: The Japan Punch. Ele também foi responsável por influenciar diversos artistas japoneses da época, dando um ar mais “cartoon” aos mangás japoneses da época.
Após o fracasso da primeira revista de mangás japonesa em 1874, Eishinbun Nipponchi, outras empresas e investidoras acreditaram na ideia (mesmo tendo dado errado para os precursores), e assim criaram quase 20 anos depois, em 1895 a Shounen Sekai, a primeira revista shounen.
Nesse meio tempo, tivemos outras revistas importantes de gêneros e demografias diferentes sendo criadas, e também tivemos um grande movimento de mescla socio-cultural do povo americano com os japoneses durante a ocupação americana em território japonês, após Segunda Guerra Mundial.
Mas o grande “boom” no surgimento dos mangás veio em 1947, com Osamu Tezuka, um grande artista, diretor, quadrinhista, roteirista (e mais o que você quiser, o cara foi o cara).
Ele, radicalmente influenciado por animações da Disney (tanto que foi assistir os filmes mais de 40 vezes no cinema), desenvolveu e criou o “estilo” que conhecemos hoje, de personagens com proporções mais surreais, cartunescos e olhudos dentro dos mangás.
Shin Takarajima (A Nova Ilha do Tesouro) foi o primeiro megahit de Tezuka, mas foi com Astro Boy que ele mudou de fato o mercado, aplicando aquelas características “disneyanas” comentadas acima.
O processo inteiro de evolução foi bem mais questionado e detalhado do que o que apresentei aqui, é claro. Sendo assim, se quiser entender mais a fundo como surgiram os mangás, sugiro que dê um pulo no meu artigo completão (dentro do possível) sobre o assunto.
Agora sei o que é mangá. Mas como mangás são publicados?
Antes de publicar um mangá, você precisa fazer ele, certo? Mas o processo de fazer mangá não é simples. Muito pelo contrário.
Afinal, para você seria fácil trabalhar igual um condenado com agendas com apenas 3 horas livres na semana, lutando diariamente contra apertados prazos e ainda enfrentar testes de popularidade para agradar os japoneses (se não você cai fora, de uma semana para a outra, literalmente)? Acho que não. Para ninguém é.
Mas nem por isso o povo japonês desiste do sonho de se tornar um “mangaká”, que é a nomenclatura esta dada aos artistas que criam mangás. Basicamente, são os “quadrinhistas japoneses”.
Para fazer mangá, você precisa de uma ideia. Tenha a ideia, faça seu manuscrito, desenhe e organize em um “Name“.
Agende uma reunião com um editor de alguma editora, e mostre seu trabalho. Caso ele goste, você estará dentro e terá chances de ser “serializado”.
Ser serializado é, basicamente, ser publicado com uma certa periodicidade em revistas como a Weekly Shounen Jump (Dragon Ball, Naruto, One Piece) ou a Bessatsu Margaret (Ore Monogatari, Kimi ni todoke).
Revista Weekly Shounen Jump Revista Bessatsu Margaret
Tudo vai depender do público-alvo que você quer atingir com seu mangá (ou que o editor mandar). Os gêneros da sua obra também são fortes influenciadores para saber em qual revista você será serializado.
Ambas as revistas antes citadas são da editora Shueisha (que é a maior), mas temos outras como a Kodansha e a Kadokawa Shoten.
Essas editoras publicam revistas que compilam diversos capítulos de mangás diferentes, de diferentes autores, sendo uma espécie de “almanaque”, mas que mais parece uma listona telefônica. Inclusive, este é o motivo pelo qual ninguém coleciona uma Shounen Jump por lá, por exemplo. Porque ocuparia MUITO espaço.
Espera, então não posso colecionar uma Shounen Jump?
Não é que não pode. É que não deve.
Algo que fortalece esse ponto é que é de costume do japonês largar essas revistas por aí para outro leitor pegar e ler no metrô, ou até mesmo jogar fora, porque esse material é reciclado para virar, novamente, uma revista de mangás! Mágico, né!? Inclusive, as revistas tem coloração estranha devido à virem de materiais recicláveis. Lá o país funciona.
As editoras, após algumas edições dessas revistas, compilam num volume específico daquela obra. O número costuma variar entre 5 e 7 capítulos de um único respectivo título de mangá.
Por exemplo, após umas 5 ou 7 edições da Shonen Jump, a Shueisha junta esses capítulos num “tankōbon“, que nada mais é do que o clássico “volume” que temos aqui no Brasil.
E falando em Brasil, para uma editora brasileira como a Panini ou a JBC conseguirem distribuir uma dessas obras por aqui, essas empresas precisam passar por uma burocracia desgraçada com os japoneses.
Mas é fato que hoje em dia é mais fácil, mas ainda é bem burocrático e rigoroso. Todas as traduções e adaptações precisam passar por uma revisão da própria editora japonesa, o que é válido, porém demorado.
Eu dei uma resumida maluquíssima nessa sessão, porque esse mesmo tópico me levou a produzir um artigo de mais de 30 horas de trabalho, com aproximadamente 50 minutos de leitura.
Nesse tal artigo, eu passei pelo processo inteiríssimo, respondendo perguntas do tipo: “como mangá é feito”, “como é a rotina de um autor de mangás”, “quanto ganha um mangaká”, “como mangás são publicados no Japão (e no Brasil)”… cara, eu falei muita coisa por lá.
Então, vale a pena dar uma conferida nele se quiser aprofundar o conhecimento sobre o processo completo de como mangá é feito.
Onde e como ler mangá?
Se você nunca antes parou para ler mangás, você talvez não saiba nem dos princípios básicos da leitura desse tipo de material.
No máximo, talvez o que você saiba é que você tem que ler ao contrário, mas isso não quer dizer que você vai ler até as palavras da direita para a esquerda (isso é para desmistificar para aqueles que nunca nem abriram um mangá).
A sequência de leitura é essa abaixo. Busquei pôr mais de um exemplo, mas meio que todos são bem parecidos.
Apesar de complicado, a hora que você começa a ler fica tranquilo.
Além disso, as editoras brasileiras costumam deixar mensagens bonitinhas como “você está começando pelo lado errado”. Elas até mesmo colocam alguns tutoriais da ordem de ler os balões.
Mas sério, você acostuma. No começo eu apanhava também, mas hoje, eu travo é na hora de ler um gibi normal, e não em mangás.
Legal! Agora que já sei o que é mangá, e como ler, onde eu posso começar?
Bom, e onde ler é bem fácil.
Você pode usar de meios ilegais como 99% das pessoas o fazem, porém dessa maneira você acaba não fortalecendo o mercado interno de mangás, tornando cada vez mais distante a realidade onde teremos volumes a preços mais acessíveis e uma cultura mais adepta à aceitação das histórias em quadrinhos japonesas.
Mas eu não o julgo por ler online em sites piratas, de verdade.
Afinal, mangás no Brasil praticamente viraram artigos de luxo. Um único volume chega a custar 23 reais hoje em dia.
Temos diversas editoras em território nacional. Dentre as maiores do ramo, temos a Panini, a JBC, a NewPOP. Todas fazem um ótimo trabalho (menos com marketing), então deixo aqui os sites oficiais dela para vocês conhecerem à fundo. Seguem:
- Panini (Berserk, One Punch Man, Demon Slayer, One Piece)
- JBC (My Hero Academia, Hokuto no Ken, Oyasumi Punpun)
- NewPOP (Made in Abyss, Solo Leveling, No Game no Life)
À termos de comparação, 25 reais é 1 mês de Crunchyroll (a maior plataforma de streaming de animes do mundo), e por ali você tem acesso à um catálogo com muitos animes. Então a razão custo/benefício não está, nem de perto, favorável para as editoras brasileiras.
Contudo, eu sou fã do material impresso e eu sou um colecionador compulsivo, fora que o sentimento de ajudar a indústria também me faz sentir bem. Então sempre que posso, eu compro o material legalmente distribuído, mesmo que eu já tenha consumido muito mangá em sites por aí.
Até que ponto a pirataria funciona como propaganda é tema para outro artigo, então, faça o que achar certo.
Finalizando…
Como bem falei ao longo do texto inteiro, todo esse artigo sobre “o que é mangá” foi idealizado para ser uma espécie de porta de entrada para aqueles que nunca pesquisaram nada “mais a fundo” sobre mangás.
Em outras postagens aqui da Cúpula eu fui bem além do que descrevi neste artigo aqui, pois para elas eu realizei pesquisas em sites japoneses, em inglês brasileiros e etc., bem como em documentários e em vídeos perdidos pela internet sobre como funciona a idealização, produção e distribuição dos mangás.
Sendo assim, se você chegou até aqui e quer mais, fica novamente o convite para conhecer outros dois artigos aqui do site:
- Como mangás foram criados? Entenda a história e como surgiu!
- Como mangá é feito? Quanto ganha um mangaká? Entenda TUDO!
Além disso, caso já tenha ouvido falar de manhwas e manhuas e que entender as diferenças dessas duas mídias quando comparadas aos mangás, advinha, também temos um artigo aqui para isso!
E para finalizar, lembre-se sempre: não elitize mangás, pois eles são histórias em quadrinhos, só que feitas no Japão, com suas respectivas características socio-culturais, jeitos e treijeitos.
Só que claro, eu os amo. E provavelmente você também.