Afinal, Dr. Stone é bom? Dispensa comentários? Ou, será que vale a discussão?
Você, ao entrar num anime como Dr. Stone, já sabendo a revista na qual ele é publicado e seus gêneros, ou até mesmo se já conhece o conteúdo do material original, criará uma certa expectativa sobre o anime.
Eu (e talvez mais algumas pessoas) não tínhamos essa noção, essa mesma expectativa, porque, no meu caso, evito ao máximo saber qualquer coisa sobre as obras que vou assistir. Eu detesto spoilers, de qualquer nível.
O motivo é simples: eu gosto de ser surpreendido. Guarde essa frase.
Porém, mesmo abdicando de buscar conteúdo sobre o anime, a divulgação do título foi tanta que foi praticamente impossível esquivar de informações gerais sobre ele.
Desta forma, fui absorvendo certas coisas “por osmose”, tipo como Dr. Stone é “um anime sobre ciência”, sobre o traço “sério” do Boichi e muito conteúdo de divulgação, como trailers (que acabei vendo para poder fazer algumas notícias aqui na Cúpula).
Só que tudo passava um ar de “anime sério”. Muito mais do que “anime de comédia”, pelo menos. É difícil dizer se é a junção da trilha sonora mais o traço do Boichi, ou se é a temática de ciência. Ou os 3 juntos, quem sabe.
Todavia, caso não acredite em mim, dá uma olhada no primeiro trailer liberado antes do anime estrear. Mas tente ver com uma mente limpa, esquecendo todos os takes cômicos (se já assistiu, claro).
Não concorda ainda?
Se não ficou convencido somente com o primeiro trailer, fique à vontade para assistir o segundo e o terceiro que estarão nos recomendados do vídeo acima.
Eu posso estar completamente maluco, mas se somar esses trailers à sinopse da obra e a forma como ela “se parece” e foi divulgada, fica bem difícil não compará-la a obras como Banana Fish ou Yakusoku no Neverland, onde temos uma temática mais séria e dramática, que flui para algo até mesmo na atmosfera do suspense.
Nos shounen à lá Jump já estamos acostumados à esperar a infame presença de um roteiro bem conveniente, de personagens bem chamativos e um ecchizinho aqui e ali.
Também esperamos que seja uma história de superação, onde muito provavelmente nosso protagonista precisará enfrentar uma série desafios, ficando mais forte a cada etapa em prol de realizar seus sonhos e ambições.
Em outras palavras, essas falsas impressões que tive (ou fui induzido a ter, não sei) geraram uma certa estimativa, uma impressão do que eu deveria esperar de Dr. Stone. Estou falando aqui de criar expectativas.
E, consequentemente, falo também de expectativas que não foram atendidas, como foi o caso de muita gente com Dr. Stone.
“Expectativas são tudo?”, você pode me perguntar.
Não são, mas acredito que esse é o principal motivo de Dr. Stone não ter funcionado com muita gente: a quebra da expectativa.
Não entregar “o esperado” é algo automaticamente ruim?
Já deixo claro que não falo aqui de plot twists, onde temos uma guinada à lá 180º no enredo, o que gera uma “quebra de expectativa” na audiência sobre os acontecimento subsequentes.
Falo aqui de expectativa sobre o todo. Sobre o que eu, e muita gente por aí, esperava do anime em si.
Bom, essa frase por si só tem alguns erros, já que, se é algo “esperado”, quer dizer que é algo subjetivo.
Algo que foi idealizado por alguém, e se essa a coisa na prática não foi o que a pessoa idealizou, é óbvio que ela vai ficar frustrada. Cada um em nível diferente de frustração, mas ficará. Com certeza.
Porém, isso de é um problema?
Afinal, uma pessoa que cria expectativas, as cria dentro de sua própria cabeça, à sua maneira.
Sendo assim, fica bem difícil colocar a culpa em alguma coisa simplesmente porque essa coisa não era exatamente o que você estava esperando.
Em outras palavras, tecnicamente, a culpa é sua (e minha) por ter esperado um roteiro menos conveniente, uma narrativa mais séria e elementos como “ciência ao pé da letra” e “limites da raça humana” num anime como Dr. Stone, que, na verdade, nunca se propôs à isso.
Entretanto, isso não isenta a culpa de como o anime foi divulgado, principalmente através de seus trailers que passam evidentemente um ar muito, muito mais sério.
Agora, sobre o anime
Caso você não conheça Dr. Stone, saiba que é um anime produzido pelo estúdio TMS Entertainment (que por algum motivo optou por colocar gente novata e comprometeu a qualidade de algumas partes, mas chegarei lá).
O anime é dirigido por Iino Shinya, e adapta a série de mangás escrita por Riichiro Inagaki e ilustrada por Boichi.
No dia em que escrevi essa análise, a obra não estava concluída ainda, então tenha isso em mente. Além disso, esse texto se refere a primeira temporada do anime, somente.
Uma premissa chamativa!
Dr. Stone trata sobre a história de como a humanidade, após uma catástrofe de proporções globais ter ocorrido, tenta se reerguer em um novo mundo; um mundo de pedra. Algo similar ao que viríamos se vivêssemos na época do homem das cavernas.
A tal catástrofe foi uma espécie de luz verde que atingiu todos os seres humanos da Terra (eu acho) e causou uma espécie de “petrificação”, fazendo com que todo mundo virasse, basicamente, uma estátua.
Passam-se longos 3700 anos, e, após isso, somos prestigiados com o renascimento da raça humana, pois alguns dos personagens principais da história estão se “despetrificando” (esse verbo provavelmente não existe), voltando a vida.
Sem mais enrolações, na história, acompanhamos Ishigami Senku, o injustamente eleito “melhor protagonista de 2019” pelo Crunchyroll Anime Awards de 2019, em sua jornada para fazer a humanidade voltar à sua era de tecnologia, mesmo que agora ele viva entre paus e pedras.
Senku aparentemente é um adolescente que sabe muito sobre tudo relacionado a física e química, sendo extremamente inteligente e tendo uma personalidade um tanto quanto ácida, sarcástica e tsundere.
Além dele, acompanhamos uma série de personagens secundários, que ora estão ali porque são importantes, ora estão ali apenas para alívio cômico.
O antagonista dessa trama seria o Tsukasa, um “garoto do ensino médio” capaz de quebrar pedras e matar leões com apenas 1 soco, e ainda que, além de ter um pique de modelo, aparentemente é tão sagaz e perspicaz quanto nosso protagonista.
Pois é, ele é meio roubadão mesmo.
Que resumo ingrato de Dr. Stone, André!
Sim sim, eu sei. Foi só para não enrolar, mas, você há de concordar que a trama principal, resumida, é essa sim.
Contudo, adianto que nem de perto os problemas de Dr. Stone estão aqui.
Na verdade, a trama dele é completamente inovadora e fora do padrão Jump, o que por si só já é algo bem relevante e bacana.
A ideia de levar a humanidade novamente à era das pedras, mas sem usar uma “máquina do tempo” é simplesmente genial, e é super interessante acompanhar os personagens rastejando em direção à tecnologia novamente.
Pelo menos, parte deles, porque que Dr. Stone tomou o cuidado necessário para introduzir seu antagonista de uma maneira bem extremista e revolucionária, bem do jeitinho que o mundo atual adora.
Ou seja, de um lado, temos Senku querendo reviver todos os humanos, sem exceção, enquanto leva a humanidade novamente à seu patamar tecnológico.
Porém, do outro lado, temos Tsukasa, o jovem que acredita que os adultos são os principais e únicos responsáveis pelos problemas do planeta Terra, tais como poluição, desigualdade social e guerras.
Sendo assim, fica claro que temos sim um enredo bem interessante em Dr. Stone. O problema começa em como ele foi desenvolvido…
Expectativa VS Realidade
Puxando novamente o que mencionei antes sobre expectativa, é aqui que Dr. Stone me perdeu e perdeu muito de seus possíveis fãs, pois a narrativa do anime é completamente conveniente, cômica em níveis exagerados e muitas vezes “foge do real”, apenas por má direção.
O lado conveniente se sobressaía sempre que os personagens precisavam ir atrás de alguma coisa, de algum novo material, ou precisavam resolver qualquer tipo de problema, pois, sempre aparecia algo DO NADA para resolver a situação.
“Precisamos de um tipo de minério super raro? Cacete, você está pisando em um agora, que sorte!”
Diversas situações similares à essa acontecem ao longo dos episódios, o que realmente me causou a sensação de: “nossa, viver na época das cavernas nem parece ser tão difícil assim”. Um sentimento parecido com o que você sente ao ver o episódio da praia em Kanata no Astra.
A lado cômico também foi algo negativo para mim, porque, mesmo que realmente tenha ficado engraçado em muitas partes, eu não esperava aquilo.
Sinceramente, eu acho que ninguém que estava por fora do material original estava preparado.
A comédia em Dr. Stone pega o espectador de maneira muito do nada, e, mesmo que no começo da obra pareça ser algo mais esporádico, com os passar dos episódios você se sente assistindo algo mais para Gintama e Sket Dance do que algo Yakusoku no Neverland que, para mim, foi como Dr. Stone foi “vendido” através não só de seus materiais de divulgação, mas principalmente de sua premissa.
A parte de “fugir do real” é algo que foi totalmente de encontro à minha expectativa…
O grande problema NÃO É A CIÊNCIA “NÃO-REAL”
Se você veio até aqui achando que meu problema foi em como a ciência foi usada em Dr. Stone, você está bem enganado(a).
O jeito como a química e a física funcionam ali, apesar de não serem 100% coerentes com a realidade, são sim bem convincentes e de fato passam certos ensinamentos para os espectadores.
Além disso, podem instigar crianças e adolescentes (que são o público-alvo da série) à querer saber mais sobre ciência. Ou seja, querer estudar. Gostar mais da escola, sei lá. Algo do tipo. Sendo assim, é algo nobre!
O problema de verdade mora principalmente na FALHA com o que é HUMANAMENTE POSSÍVEL que o personagem Tsukasa é. Além disso, o mesmo possui uma ideologia fajuta e extremista.
Sobre o antagonista de Dr. Stone…
Não entrarei no mérito aqui sobre a ideologia do Tsukasa, afinal, há algo a ser debatido aqui de fato?
Se você acha que simplesmente assassinar à sangue frio todos os adultos resolveria os problemas do mundo… bem, talvez você precise de umas sessões de terapia ou de aulas de história e sociologia.
Se os culpados pelo estado atual do mundo são os adultos, os adultos antes deles também são. E os de antes também. E os de antes, também. Nunca acabaria. Surpreenda-se ou não, mas muita gente não tem opção sobre como viver sua vida.
Meritocracia tem um pingo de verdade, porém, você precisa entender que nem todos tem as mesmas chances. O Atila, do Nerdologia ,fez um vídeo incrível sobre isso.
Citei meritocracia pois, para mim, ela está inteiramente ligada à qualidade de vida e de educação que você terá ao longo de sua jornada pessoal e profissional na vida.
Resumindo: se você começa na frente, você tem muito mais chance de ficar na frente. Se você começa atrás, você tem muito mais chance de ficar atrás.
Sendo assim, culpar os adultos de hoje, pelos erros que vêm sendo cometidos ao longos dos séculos é simplesmente boçal é absurdo.
Uma lógica bem imbecil para um personagem que, ao que parece, é quase tão inteligente quanto nosso protagonista. E você não precisa ser mais inteligente do que o Taiju para ver que essa lógica fede.
Falei que não ia entrar nesse mérito, mas entrei foda-se.
O sr. Perfeito
O anime nos entrega um protagonista super fora dos padrões, que usa da inteligência para sair das situações mais inusitadas e problemáticas de maneiras que nos surpreendem e divertem.
No entanto, no outro lado da balança, Dr. Stone nos entrega um antagonista que tem uma capacidade de dedução quase que impecável, é ridiculamente forte (bem além das capacidades humanas) e ainda é um cara bonitão.
Ignorando o fato (que deferia ser não-ignorado) de o Tsukasa ser basicamente uma divindade da dedução e de ser um ikemen, foquemos no fator “superforça”.
Ele realmente precisava ser SUPERFORTE, além de todas as suas outras características? Ele precisava ser um estudante do ensino médio, e ainda ser capaz de fazer tudo que faz?
É claro que não.
Porém, o anime e as “cenas de ação” perderiam muito impacto sem a força absurda (entre aspas porque as lutas foram quase que em sua totalidade quadros estáticos).
Entendo, ok, é importante ter impacto. Bacana. Mas, também é importante trilhar dentro do que você se propõe.
Onde eu quero chegar: seria muito tranquilo aceitar e se divertir com a ciência “com ressalvas” do anime, porque ele se propõe a isso desde o começo.
Um anime com HUMANOS NORMAIS vivendo na NOVA ERA DA IDADE DA PEDRA, enfrentando DIFICULDADES para voltar a civilização humana para seu ESPLENDOR TECNOLÓGICO. Isso por si só, já seria super interessante e inovador.
Mas, quando o anime do nada começa a entregar cenas de combate à lá Gurren-Lagann, personagens capazes de quebrar rochedos enormes somente com os punhos e uma história que só vai para frente por, basicamente, “sorte” do elenco em encontrar um tal recurso… fica meio complicado.
O segundo ponto negativo?
Provavelmente o segundo ponto que mais influencio no desgosto de muita gente por Dr. Stone, provavelmente foi a dificuldade em conseguir digerir uma obra que promete falar sobre ciência, mas usa mal a suspensão de descrença.
Porém, contudo, todavia, acho que esse fator está inteiramente conectado ao primeiro ponto negativo que elenquei: a quebra da expectativa.
Uma parte técnica sensacional, porém amadora em alguns pontos
Quase tudo no que tange a parte técnica de Dr. Stone eu gostei e achei caprichada.
Os cenários são incrivelmente belos e carregaram a ambientação nas costas, porque conseguiram passar com maestria a sensação de uma “era das cavernas”.
A trilha sonora é impecável, lembrando muito aquela clássica meio medieval animada que eu amo. E claro que graças ao teor cômico que o anime toma no final, ela encaixou melhor ainda.
As openings e endings, bem como o deisgn de personagens, são super características e marcantes. Todos elementos que somaram.
Um ponto negativo que me incomodou por aqui foi a “sensação de tempo” do diretor, que na cena da ponte deixou o Kinro pendurado por minutos e fez um drama prolongado escroto ou nos episódios finais, que fez os aldeões levantar uma vila completamente mobilhada em 10 segundos.
Outro, foi a animação ter ficado muito comprometida em algumas cenas.
Sinceramente, até mesmo em quadros-chave foi possível ver uma notável esquisitice no traço.
Chegou até a virar meme na internet aquele espaço zoado entre os olhos dos personagens, que ora eram mais próximos, ora ficavam mais afastados.
O uso exorbitante de quadros estáticos também incomodou nas cenas de ação do anime, que não foram muitas, e mesmo assim decepcionaram.
Segundo o que o Dudi fala no nosso episódio de Dr. Stone, parece que o estúdio optou por usar mão de obra sem experiência para produzir o anime, com intuito de dar uma chance para o pessoal. Afinal, não é nada fácil viver na indústria dos animes.
Só que, sinceramente, vocês estão adaptando um mangá da Shonen Jump. Da gigantesca Shonen Jump. O mangá já não vendia tão bem assim, e aí vocês vão lá e arriscam uma cartada dessas?
Coragem. Ou, imprudência?
Finalizando…
Tenho mania de fazer parecer em minhas análises que eu detestei a obra, mas não foi o caso aqui. E eu sei que o streaming segurou boa parte dos cursos de produção, então “não ter vendido” não é válido para ser “bom ou ruim” aqui.
Mas, o que eu sinto mais aqui é decepção mesmo.
Dr. Stone é interessante, e ele levanta momentos de reflexões bem bonitos, tipo na parte em que a Suika consegue um óculos e vence sua miopia, ou na parte em que eles “redescobrem a luz”.
São coisas que eu e você não sentimos falta, pois estão conosco desde que nascemos. Mas… e se ninguém tivesse descoberto isso? Imagina o caos?
É isso que essas cenas representam: evolução, avanço e liberdade.
Contudo, eu não faço ideia se o sucesso absoluto de Demon Slayer e de Vinland Saga ofuscou um pouco o brilho de Dr. Stone, mas toda essas reflexões quase que passaram despercebidas por mim enquanto eu assistia o anime…
Porque, como já disse ao longo dessa análise, para mim, Dr. Stone seria um sucesso muito maior se trilhasse por um caminho menos cômico, conveniente e sobre-humano.
Então, no fim, tudo é sobre expectativa. E tudo sempre será. Nesse caso em específico, a minha experiência acabou por ser frustante.
Lembra da frase que pedi para guardar? Eu gosto de ser surpreendido. E eu esperava ser surpreendido com esse anime, mas não fui. Pelo menos não nos pontos que eu esperava/gostaria.
Eu nem lembro a nota que dei no CúpulaCast. E desde aquela época, Dr. Stone não tem envelhecido bem na minha mente.
Sendo assim, sou obrigado a terminar com um…
Nota
/10
Não funcionou comigo, não adianta. Vou ver a segunda temporada com a esperança de que fuja um pouco da pura comédia...
EXTRA
Talvez esse seja você após essa minha análise de Dr. Stone:
Se discorda, me chama! Vamos conversar! E se concorda, me ajuda com a discussão!