Talvez você já tenha se perguntado: “O que é Otaku?”. Basicamente, otaku é o termo que define ou identifica pessoas cujo tenham interesse em animes e mangás. Mas será que é só isso mesmo? E se for somente isso, qual o motivo de tanta comoção a respeito dessa palavra e do desejo de não se identificar?
Por curiosidade a respeito desse assunto, escrevi esse texto para explicar o que é otaku e utilizei o anime Wotakoi para que fosse mais fácil e divertido de entender.
Em Wotakoi, ou Wotaku Ni Koi Wa Muzukashii (O Amor é Difícil para Otakus), nos apresentam quatro personagens otakus. Estes personagens, por sua vez, possuem diferentes personalidades e gostos, mesmo que estejam dentro dessa comunidade.
O anime é uma sátira bem humorada a respeito do nosso estilo de vida, e mostra questões importantes como auto-afirmação, interação e pertencimento de grupo e as dificuldades em cada um destes pontos.
Se você é como eu, uma otakinha novata, que já sentiu (ou ainda sente) vergonha por isso e não entende direito essa guerra entre “ser ou não ser otaku… Vem comigo, vou te mostrar a história por trás desse termo e porque você não deveria se importar ou sentir vergonha com a denominação (afinal, se você está aqui lendo isso, você pertence a ela).
A história do termo “Otaku”
O termo otaku apareceu primeiro na década de 80, no Japão, e define as pessoas que tenham interesse em algo específico. Contudo, esse interesse específico se transforma em uma obsessão, o que dificulta a interação com pessoas que não compartilham do mesmo interesse.
Por isso, o termo tem uma conotação negativa e carrega consigo estigmas e preconceitos. Além disso, tanto por quem faz parte desta comunidade quanto por quem é de fora, “otaku” não é um termo bem visto e é sempre alvo de contestações.
Atualmente, existem diversos estudos sobre a cultura otaku, seus membros e tudo o que tenha relação. Primeiro, houve uma expansão do termo com a chegada dos animes e mangás na Europa, na América e, posteriormente, no Brasil.
Animes, otakus e preconceitos
De certo modo, podemos ver que muitas pessoas otakus não atuam profissionalmente com a sua paixão, mas sim com algum outro trabalho remunerado. Por este motivo, o interesse no Japão (na cultura pop e suas produções) carrega o estigma de apenas ser algo legal e não um interesse para construção de carreira.
Mas, um ponto interessante é que: quando as pessoas apaixonadas por futebol (ou qualquer outra coisa) é questionada sobre seus interesses? (Vai servir de alguma coisa para carreira profissional? Não é apenas hobbie? Uma fase? Apenas um jogo de futebol, onde homens e/ou mulheres ficam chutando uma bola?)
Além de todos os estigmas e adjetivos pejorativos, a visão sobre a pessoa denominada otaku recebe a associação do termo a pessoas sociopatas.
A definição de sociopatia pode ser descrita, resumidamente, como: pessoas que não agridem ou ferem outras pessoas, porém não existe muita interação com a sociedade, pois existe desprezo em relação aos outros, e há problemas de empatia (entender o sentimento do outro).
Foi a publicação de Densha-Otoko (2004) e sua versão para TV em 2005 que marcou um ponto crucial de uma mudança nessa visão. A representação de otaku como alguém inofensivo e carismático em Densha-Otoko ajudou a remover a conotação negativa e sociopata do termo, e o deixou mais simpático.
O termo otaku (おたく) é uma gíria que deriva da palavra otaku (御宅), onde O (御) significa você e taku (宅) significa casa. Por isso, o termo literalmente significa sua casa ou sua família (mas a gíria é usada mais em tom de ironia e sarcasmo, de forma pejorativa mesmo para manter distância). Ele veio para o Ocidente através do anime OVA Otaku no Video (1991), do Estúdio Gainax. Otaku no Video é uma sátira humorada (autodepreciativa) dos otakus e do próprio estúdio.
Diferenças culturais Japão x Brasil
Os animes já faziam sucesso dentro da comunidade nikkei de São Paulo, que são descendentes de japoneses. Porém o resto da população, de alguma forma, já teve contato com as produções japonesas como Ultraman, Changeman, National Kid e Jaspion.
Estas séries eram regularmente exibidas na TV aberta, o que facilitou o processo de dublagem. Porém, naquela época, no reino do VHS, as fitas de animes não vinham com tradução ou legendas.
Por isso, alguns fãs que entendiam a língua japonesa começaram a traduzir e legendar os animes, e faziam cópias para entregar aos amigos (tanto gratuitamente, quanto até ganhando um valor simbólico ou irrisório pela fita e todo trabalho). A famosa “fansub“, quem que não conhece, né?!
Até esse momento, o termo “otaku” era desconhecido no Brasil. Contudo, de acordo com Schuler em seu artigo, foi ao surgir as primeiras cópias de Otaku no Video, que a galera se identificou com os personagens e com o termo que utilizaram, e aí… O termo pegou!!!
Em nosso país, temos alguns problemas com o termo, pois ele se vinculou com a fase da infância e adolescência através dos animes. Por isso, existiu associações como otaku fedido (a adolescência não é fácil pra ninguém, né), além de trazer uma visão bastante limitada sobre animes.
Além, no Brasil o termo otaku é uma referência a pessoas que curtem animes e mangás, e outros tipos de produções da cultura pop japonesa. Nada além, nada menos. Nada surreal, nada terrível.
Entretanto, vemos que o passado nos condena um pouco e, por isso, talvez gerou esse lance de não querer se identificar como otaku por aqui! Confira os apontamentos que o Bunka POP fez sobre isso:
Linha do tempo dos animes no Brasil
No Brasil, a estreia de Cavaleiros do Zodíaco, em 1994, e Dragon Ball (1996) foi um marco histórico. O índice de audiência foi impressionante, e animes eram uma opção barata da programação infantil.
Quem aí lembra da TV Manchete? Somente na TV Manchete já foram exibidos animes de muito sucesso como Sailor Moon (1996), Shurato (1996), Samurai Warriors (1996), Yu Yu Hakusho (1997) e Super Campeões (1998).
O marco histórico foi inusitado, pois a galera foi surpreendida pela linguagem diferente das animações que, até então, se exibiam naquela época (nos animes tinha mais sangue, morte, etc).
Além disso, em 1999, a estréia de Pokémon na Rede Record renovou a febre pelos animes, e em 2000 a Conrad Editora lançou os mangás de Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball, que inaugurou a venda de mangás no Brasil.
Contudo, a galera dos anos 2000 foi quem teve maior oferta de animes e mangás por conta da internet. E essa mudança transformou a maneira de consumir os conteúdos que a gente tanto ama. Além de ser muito mais fácil, né?!
Wotakoi: as definições de otaku foram atualizadas
Em Wotakoi ainda vemos os estigmas e preconceitos que rolam, especialmente por quem está dentro da comunidade e é um otaku. Narumi Momose é uma otaku e fujoshi, que rejeita o relacionamento com alguém que também seja.
Na visão dela, os otakus seriam nojentos e, por isso, ela não poderia namorar com um. Além disso, Narumi decide guardar o fato de ser otaku como um segredo de estado.
Logo no primeiro episódio se desdobram as questões de dificuldade em relacionamentos com pessoas que não sejam otakus, o preconceito que vem de dentro da própria comunidade, as vantagens e desvantagens de fazer parte desse movimento já estando na vida adulta.
Essa última questão é muito interessante, o mundo adulto! Animes são vistos como “apenas um desenho/animação” e, na nossa sociedade, isso significa que é algo infanto-juvenil. É aqui que temos um pulo do gato incrível, pois sabemos que não é bem assim.
Os animes passam uma mensagem, e a sua indústria não é nutrida por adolescentes, mas sim por pessoas adultas que trazem tanto o entretenimento quanto diversos assuntos sociais.
Portanto, animes são coisas de gente adulta também sim, e vejam como exemplo de conexão entra questões sociais, atualidades e mensagem a transmitir na brilhante comparação que o Pedro fez entre The Promised Neverland e Veganismo.
Wotakoi não faz diferente. No anime podemos perceber a transformação do que Narumi acreditava antes sobre os otakus, ao entrar em contato com pessoas que também são.
Além disso, ainda escancara nosso preconceito com quem não gosta tanto assim, ou até mesmo não tem tanta habilidade e conhecimentos sobre esse mundo como a gente gostaria. Pois bem, a gente que lute com isso, né?
Definição, classificação, hierarquia: as burocracias pra ser otaku
Otaku é um termo que utilizam bastante de forma sarcástica, como se fosse um xingamento. A tradução quase literal do termo seria “sua casa” ou “sua família”, mas pense em algo pejorativo ok?
Além disso, o primeiro pensamento da grande maioria das pessoas quando se fala em otaku é o otaku estereotipado. Especialmente a galera do cosplay, mas pode incluir as pessoas que carregam elementos consigo (como chaveiros, bottons, etc).
Na realidade, talvez até de forma inconsciente, testamos os conhecimentos dos outros otakus para avaliar se são mesmo otaku ou não. É como se a gente tivesse a capacidade de julgar quem é um otaku e faz parte da galera, quem não é e quem pode vir a ser.
Além disso, rola algo como hierarquização e classificação do otaku. Aquele que lê o mangá é mais otaku do que aquele que só assiste ao anime, e assim por diante. Sinceramente, é muita babaquice pro meu gosto.
Contudo, isso difere da teoria, na qual otaku é um fã de algo e, no caso, da cultura pop japonesa (incluem-se animes, mangás e outros).
De acordo com os artigos, a ideia dessa hierarquia e classificação pode ser resumida em 3 categorias (para cada):
Hierarquia
- Iniciante (participa de eventos, consome os produtos, porém de forma ocasional)
- Intermediário (realiza eventos, faz cosplay, etc, porém não trabalha com isso e sua renda vem de outra atividade)
- Profissional (vive disso, confecciona cosplays, venda de produtos, realização de eventos, etc)
Classificação Otaku
- Velha Guarda (começou nesse mundo ao assistir animes em exibição antes de 1999, como Dragon Ball)
- Jovem Guarda (começou com animes em exibição entre 1999 e 2006, como Pokémon)
- Novato (começou com animes em exibição após 2006, como Naruto)
Na realidade, ninguém liga e em Wotakoi podemos perceber outros aspectos importantes
Não estou escrevendo esse texto, depois de pesquisar por horas e ler artigos sobre esse assunto para concluir que devemos seguir essas crenças ridículas de classificação e hierarquia. Portanto, a realidade é que ninguém liga pra isso, ou não deveria ligar.
Pois, é por esse e outros motivos que a gente que faz parte da comunidade otaku está destruindo ela e afundando ainda mais a nossa própria reputação. Para com essa merda, ein!
Além disso, aspectos importantes que podemos ver em Wotakoi são as habilidades desenvolvidas em diversas áreas da vida. Narumi participa dos eventos como o Comiket e monta estande, e também cria histórias. Por isso, ela desenvolve habilidades em escrita, criatividade, organização (não muito, mas vocês entenderam!)…
E outros personagens também, como o raciocínio lógico de Hirotaka por conta de seu gosto por jogos e tecnologia. Em resumo, a gente pode tirar muita coisa dessa nossa paixão por animes e mangás, além da cultura japonesa em si.
Alguém um dia se interessou pela parte técnica dos desenhos, foi atrás de aprender sobre isso e hoje pode ser um desenhista e artista de sucesso, já parou pra pensar nisso?
Sob a perspectiva de Wotakoi: as representações otaku nos animes e na vida real
Pra mim, Wotakoi é uma grande obra para refletir sobre o nosso mundo. Além de jogar um pouco na cara que o preconceito que as pessoas de fora têm em relação a nós, vem diretamente da gente mesmo que faz parte desse mundo.
Até quando a gente vai pegar um termo, uma palavra, e demonizá-la ao ponto de pessoas não quererem chegar perto de nós e desse mundo? E se a gente ama tanto esse mundo, transforma ele em paixão, motivacional, hobbie, desenvolve habilidades… porque continuamos com essa mentalidade infantil?
Os quatro cavaleiros do apocalipse otaku, Narumi (fujoshi), Hirotaka (gamer), Hanako (cosplayer) e Tarou (otaku), representam alguns dos interesses que compartilhamos de modo geral. Wotakoi ainda articula a dualidade entre um mundo corporativo X mundo anime.
Qual o problema da identificação com o grupo e a palavra em si? Quais os preconceitos e estigmas que são apresentados? Porque nos identificamos ao assistir e rimos, mas deixamos pra lá?
Otaku: porque você não gosta de ser um?
Finalizo este gigante texto sobre otaku, dizendo que a gente pode mudar essa visão ruim sobre esse termo.
A mídia de um modo geral mostra isso de maneiras que não compactuam com a verdade e a realidade, como por exemplo a galera do movimento emo (você sabe de que vídeos eu tô falando!). E diga-se de passagem o meu lado emo e otaku jamais morrerá.
Sentir vergonha pelas coisas que você curte é o mesmo que não se valorizar. E o motivo? Pois isso também faz parte de você, da sua identidade, visão de mundo e estilo de vida.
Wotakoi é um anime divertido que pode trazer muitas reflexões sobre esse assunto, se estivermos dispostos a olhar por outro ângulo. Além disso, ressalto que fiz um resumo das informações e que tem muito mais coisa (vou deixar as fontes para quem quiser ler tudo).
Aqui na Cúpula, a proposta é justamente tratar animes e mangás com a seriedade que eles merecem, sem desmerecer absolutamente ninguém que está começando, no meio ou já há bastante tempo nessa jornada. Portanto, vão lá conferir nosso podcast sobre esse assunto e, de quebra, já convida um amigo para iniciar essa jornada otaku com você.
Fontes (a maioria está em inglês, e algumas precisa de acesso especial à biblioteca):
- Fandom Unbound: Otaku Culture in a Connected World
- Geração Sentimental: A Construção Social do Otaku¹
- Japanese Subculture in the 1990s: Otaku and the Amateur Manga Moviment
- Japan After Japan: Social and Cultural Life from the Recessionary 1990s to the Present
- Otak-who? Technoculture, youth, consumption, and resistance.
American representations of a Japanese youth subculture - The Politics of Otaku