Ah, Demon Slayer! Provavelmente o anime mais popular da otakusfera desde seu lançamento, e com certeza o mangá que mais vendeu volumes nos últimos 2 anos. Acompanhei de perto todos os marcos que essa série alcançou ao longo de sua trajetória desde o fatídico episódio 19, depois quando anunciaram o filme de Demon Slayer, até que o filme se tornou, literalmente, o filme de anime mais lucrativo e que mais vendeu ingressos da história.
Mas a pergunta que fica na cabeça de muita gente é: “Demon Slayer – Mugen Train ‘merece’ ser o filme mais bem sucedido da indústria de cinema japonesa? Ou será que é só hype?”
E bem, quem sou eu para dar um veredito de tal tamanho ao longo desta crítica? Sou só o André. Então, não espere ler meu texto e achar que vou desvendar os motivos que tornam a franquia Kimetsu no Yaiba (nome em japonês de Demon Slayer) o trem sem freio que todo mundo conhece. Até já discorri um pouco sobre o assunto em alguns textos perdidos por aí, mas nunca cheguei num denominador.
Na verdade, nunca chegarei. E ninguém nunca chegará. É uma incógnita. Os elementos estão ali, mas muitas outras obras já trouxeram coisas similares, mas nunca nada chegou nem perto dessa explosão de Kimetsu.
Mas, enfim, apesar do que parece, adianto que Demon Slayer – Mugen Train (ou Kimetsu no Yaiba: Mugen Ressha-hen, no japonês) é um ótimo filme de shonen de porrada, e se você, como eu, está “saturado” de Demon Slayer depois de tudo que a série já conquistou e sente que ela é superestimada, continue lendo pois, como dito, eu estou saturado, com verbo “estar” no presente.
Entretanto, mesmo assim, o filme de Demon Slayer ainda me emocionou, e vai te emocionar se você permitir.
Kimetsu no Yaiba: Mugen Ressha-hen sabe empolgar e emocionar
Na história do filme acompanhamos Tanjiro, Inosuke e Zenitsu numa nova missão: investigar o trem que anda sumindo com algumas pessoas. Lá, logo encontram Rengoku, um dos 10 hashiras da associação dos caçadores de demônios.
Dentro do trem, agora, Tanjiro e seus colegas, junto ao hashira mais dahora da série, precisarão lidar com os problemas causados pelos demônios que tentarão dar um fim à eles (e todas as outras 200 pessoas que estão no trem).
Só que junto deles, temos aquele demônio lua menor que sobrou da primeira temporada, depois que o Muzan resolveu aniquilar todos os outros menores. Restaram, então, um lua menor buffado e os luas maiores, todos os 5.
Em outras palavras, podemos dizer que já não existem tantos demônios super fortes protegendo seu mestre, o que aproxima nossos heróis de seu objetivo final: derrotar Muzan.
Admiro isso em Demon Slayer, pois apesar do que muitos podem achar por não terem lido o mangá ainda, adianto que não teremos aquela escalada bizarra que quase todo shonen de porrada tem. Sabe, aquele lance de “sempre aparecer um inimigo mais forte, até a editora cancelar o mangá”.
Em Kimetsu isso não ocorre, e esse alinhamento de expectativa fica claro em Mugen Train. Afinal, depois de ver o Rengoku em ação, um dos 10 hashiras, talvez o segundo mais forte (acho), como a série poderia escalonar mais os poderes sem virar Dragon Ball? Não teria como. E felizmente Koyoharu Gotouge, autora, preferiu não dar essa escalada.
Com isso em mente, tudo ali agora parece muito mais tenso. Você não sabe o qual será o desfecho, o que pode de fato acontecer. Tensão. Empolgação. Hype. Tudo vai aumentando com o passar do filme, e graças a animação magnífica do estúdio ufotable, não tem como um fã de shonen de porrada não se empolgar e emocionar.
Poderes surpreendentes, mas com pés no chão! [spoilers leves]
Já admirava os poderes criativos de Demon Slayer desde a primeira temporada, porém o do filme me chamou ainda mais a atenção. Um poder dos sonhos. Tentador, feliz e triste ao mesmo tempo. Todos esses sentimentos estavam passando pela cabeça de nossos heróis enquanto lutavam com o demônio. E na minha também.
É interessante que mesmo enfrentando tamanha ameaça, o roteiro conseguiu me convencer que a maneira como as coisas foram executadas era a única maneira possível para o Rengoku não só resolver tudo com alguns cortes. Ele queria salvar todos, e por isso colocou seus “aprendizes” para trabalhar. Era o único jeito. Isso convence o espectador de quê aquela era a única forma de salvar todo mundo.
Por outro lado, sou obrigado a concordar com os que dizem que foi um tanto quanto estranho o Tanjiro fazer o que fez com o demônio dos sonhos. Soou meio não convincente, afinal, Tanjiro tinha acabado de ser surrado demais pelo lua menor Rui (aquele das aranha) na primeira temporada.
Tanjiro até treinou e tal, mas agora esse dos sonhos estava buffado, e é o último lua menor. Talvez seus atributos mais fortes não fossem a força física, quem sabe. Mas esse sou eu procurando coisas que não estavam ali explícitas. Enfim, nada demais, mas achei válido pontuar.
Mas mesmo com isso tudo, achei a escala de poder da primeira temporada para esse arco do trem super natural, e o bacana é que o embate final do filme já nos mostra um nível que não será ultrapassado (demais) mesmo nos embates finais do mangá. Claro, teremos inimigos mais fortes, mas não muitíssimo mais fortes.
Não será tipo em Naruto que, no começo, lutam com bandidos e no final eles são praticamente deuses. Na boa, quem liga para os ninjas normais depois da escalada de poder que o final de Naruto entrega? Eu respondo: ninguém.
E Demon Slayer não erra (e não errará!) nisso.
O filme de Demon Slayer, no que se propõe, arrasa demais!
O filme de Demon Slayer não quer (e não precisa) fazer algo diferente do que o anime de 2019 havia feito: pegar o mangá original de Gotouge e melhorá-lo em umas 100x. E foi isso que rolou.
Eu já li o mangá de Kimetsu até o final, e como já comentei em algum lugar que não vou lembrar onde para linkar aqui, achei “ok”. Nada de mais, mas também nada de menos.
Acredito que justamente essa é a principal característica de Demon Slayer: a obra tem uma história sólida e que não se prolonga, e ao mesmo tempo usa elementos da cultura e mitologia japonesa ao seu favor para prender todo mundo que vivencia ou admira esse parte do Japão.
Só que como antes dito, o estúdio ufotable resolveu entregar o que todo mundo já sabe sobre Demon Slayer: uma animação de deixar o queixo no chão de tão incrível.
E repetiram isso no filme, como esperado, só que de maneira ainda mais ousada, utilizando ângulos bem mais desafiadores para os animadores e também aproveitando melhor as cenas de ação que, sinceramente, são fraquíssimas no mangá.
Pegue uma história sólida que possua elementos que tocam qualquer público, adapte com uma animação caprichadíssima e sob a direção exemplar de Sotozaki Haruo, que voltou do anime para dirigir o longa, e teremos com certeza a fórmula completa de um shonen de porrada que só pode dar certo.
Afinal, é para empolgar, emocionar, inspirar e dar cenas de ação muito iradas que os shonen de porrada existem. Pelo menos é a minha visão do “gênero”. E Mugen Train fez muito bem isso!
Só que, como “filme”, será que arrasa tanto?
Tenho um certo problema para conseguir dizer o quão boa uma obra é no formato de filme.
Isso é completamente subjetivo, mas vou tentar explicar porquê eu acho que um filme como Mugen Train não compete de maneira justa com, por exemplo, A Viagem de Chihiro, um clássico do estúdio Ghibli que foi destronado do posto de filme de anime mais bem sucedido da história.
Demon Slayer – Mugen Train é um filme que precisa de muletas para funcionar. Acredito que existem 3 grandes muletas aqui que sustentam o sucesso do longa.
O primeiro ponto é que o filme de Demon Slayer já possui personagens que já são queridos pelo público, afinal, já tivemos uma temporada inteira (e um mangá inteiro) para consumir antes do longa. Dessa forma, quem foi ver o filme já foi com um pensamento sobre os personagens. Isso facilita a direção e roteirização do longa pois a apresentação dos personagens já foi feita, dessa forma sobrando mais tempo para focar na trama em si do filme.
Um segundo ponto é que é um filme canônico, então diferente da relação que temos com aqueles filmes meio meme de Naruto, One Piece ou Bleach, esse aqui você precisa assistir. Ou seja, as pessoas que gostaram minimamente da primeira temporada a ponto de querer ver a segunda, precisam ver o filme.
O terceiro e último ponto é, mais uma vez, o grande hype que existe acerca de Demon Slayer no Japão (e talvez fora dele). As pessoas chegaram num nível que considero uma histeria coletiva, a ponto até de roubar volumes do mangá das lojas. Isso no Japão, gente. Não estamos falando do Brasil, onde roupar faz parte do cotidiano. Bizarro.
Filme de Demon Slayer: um paralelo com… Avengers?
Lembro muito de discussões acerca do último filme dos Avengers.
Alguns críticos diziam que o filme em si “não merecia” ter virado a maior bilheteria da história do cinema pois é um filme “muletado”. Ou seja, que precisa que o público assista outras coisas para o entendimento do filme. Em outras palavras, o filme isolado não seria “bom”.
E eu concordo com isso. MAS somente quando estamos analisando com um olhar bem técnico (e talvez até antiquado), que defende que “um filme precisa falar por si só”.
Talvez para concorrer a um Oscar eu possa concordar que o filme precisasse ter uma mensagem, um começo, meio e fim, por ele mesmo, fazer sucesso por ele mesmo, sem depender do espectador ter consumido outras coisas antes.
Mas acredito que do ponto de vista de um espectador, do consumidor mesmo, do povo, eu acho que isso é um grande foda-se.
Então a pergunta que fica é: seria justo comparar Chihiro, que precisou começar o filme com praticamente nada além da fama do estúdio para contar a história de uma garotinha que nunca ninguém ouviu falar, com o filme do mangá mais hypado da história do Japão (literalmente, acho) e que já traz consigo toda uma temporada de anime (e um mangá completo) com o espectador que entra no cinema?
Não sei. Mas deixo a reflexão para você.
Será que o filme de Demon Slayer foi o estopim para a tal “nova fórmula shonen de porrada”?
Além da ideia de ser um filme que seguiu as diretrizes da primeira temporada do anime, para mim, esse filme tem também a intenção de tentar estabelecer uma “nova fórmula de fazer shonen de porrada“.
Já conversamos sobre isso num CúpulaCast, mas basicamente é pegar um material fonte sólido, adaptar com uma animação belíssima e melhorando o original sempre que possível (principalmente nas cenas de ação) e depois meter um filme para faturar milhões. E deu certo.
Deu tão certo que Jujutsu Kaisen, outro mangá da Shonen Jump, seguirá exatamente os mesmos passos. Black Clover encerrou a exibição do anime (que era do estilo anime grandão), e anunciou um filme. Chainsaw Man já foi anunciado pelo estúdio Mappa (mesmo de Jujutsu), e eu não duvido nem um pouco que farão exatamente a mesma coisa.
Contudo, eu não gosto muito dessa nova fórmula por um único motivo: filmes demoram MUITO para chegar aqui no Brasil. E como o Dudi disse, “se não chegar por bem, vai chegar por mal”.
Com o filme de Demon Slayer, infelizmente foi por mal. Pelo menos no meu caso, porque nem a pau que eu iria ao cinema durante uma pandemia, e o filme já saiu no Japão mais de meio ano atrás. Demora muito, por isso eu preferia um anime normal, porque aí pelo menos eu poderia ver à medida que lançasse na Crunchyroll.
Mas enfim, essa “nova fórmula” é algo que Boku no Hero até já vinha fazendo, só que não por inteiro. Acho que a parte de “meter um filme canônico e faturar milhões” é uma constante importante na possível nove fórmula do shonenzão de porrada.
Enfim, só mais reflexões…
Conclusões finais sobre o filme de Demon Slayer
É um ótimo filme dentro do que se propõe. Merece ser a maior bilheteria do Japão? Não sei. Do ponto de vista mais técnico, tipo Oscar, talvez não. Mas no fim, quem consome é o povo, não é? Então será que merecia? Afinal, se tornou, de fato, o mais bem sucedido. Isso por si só prova a qualidade dele para ser Ô melhor? Não sei. Nunca saberei.
Mas o fato é que que Demon Slayer – Mugen Train é o que foi. E aliás, segue sendo o que é, pois AINDA está faturando muito e marcando muita gente por aí. Invalidar o sucesso de alguma coisa só porque você não gosta dela é meio tosquinho. Você pode defender seu ponto e ressaltar todos os defeitos de Demon Slayer, que existem (principalmente no mangá), mas você não pode, na minha opinião, julgar o “merecimento” de uma obra de arte.
É maior do que você. E é maior do que eu também. Então, penso que-
Chega! E o filme mesmo, André? – diz o leitor insatisfeito com as reflexões do autor desta crítica…
Desculpe.
Sobre a história em si do filme, considero-a bem bacana. Até essa parte eu considerava Kimetsu um baita shonen de porrada. Não tinha tantos deus ex machina assim, não tinha muita repetição de apresentação de personagens e conclusão dos arcos dos mesmos… Enfim, era legal. Talvez na segunda temporada a produção do anime siga com essa lógica de melhorar 100x o original, fazendo em morder a língua. Espero que sim.
E sobre sentimentos finais, é um filme que constrói bem a tensão, não deixando claro o que vai acontecer na sequência. Além disso, desenvolve bem o Rengoku, deixando claro quais são suas motivações e ligando-o bem ao espectador, coisa que em apenas 2 horas não é tão trivial de se fazer. E ainda: estabelece uma escala de poderes que faz sentido e não extrapola, o que contribui para a tensão construída no ato final do filme.
Somando tudo isso acima com uma animação excelente, uma trilha sonora marcante e uma direção de alto nível, Demon Slayer – Mugen Train pode ter se tornado meu filme favorito de shonen de porrada.
E se você já assistiu o filme e falar que a cena abaixo não é a melhor, mentiu. Nem é spoiler se você não assistiu, porque você não vai entender nada.
Arrepiei.
De novo.