Muitos certamente já se sentiram um ponto fora da curva dentro da sociedade. Sabe, se sentiu aquela pessoa que não nasceu para ser o que esperavam dela. Além disso, muitos já enfrentaram problemas para poderem viver um amor verdadeiro, mas verdadeiro mesmo, capaz até de quebrar os maiores tipos de barreiras. É disso, e muito mais, que Beastars, de Paru Itadaki, trata.
O mangá conquistou sua adaptação para anime em 2019, na temporada de outono, pelas mãos do estúdio Orange, especializado em computação gráfica. Sendo assim, não foi por menos que Beastars foi inteiramente em CGI.
Porém, mesmo assim, ficou magnífico, para a surpresa de muita gente acostumada com o péssimo uso de 3D em animes.
Sem mais delongas, por meio dessa crítica, explicarei a você porque este anime que ganhou diversas categorias no Anime Awards BR conquistou o coração de tanta gente por aí.
Mas, principalmente, irei expôr minha opinião sobre essa incrível obra, com intuito de convencer você a dar uma chance à Beastars.
E, mesmo que tenha sido um pouco ofuscado por grandes títulos do ano passado, como Yakusoku no Neverland, Demon Slayer ou Vinland Saga, para mim, Beastars é tão bom quanto todos os citados.
Beastars apresenta um mundo animal DE VERDADE!
Estamos muito mais do que acostumados a ver em diversos títulos por aí o uso de antropomorfismo em animais. Afinal, não é de hoje que temos filmes como Zootopia e Kung Fu Panda circulando.
Mas, você chegou a perceber o que tornou Beastars tão diferente das obras citadas acima?
Com certeza foi o fator “animal” sendo usado de maneira realista e coerente dentro do anime. O instinto. A fome. A sede de sangue. O medo.
Tudo isso compõe e está impregnado na sociedade criada por Paru Itadaki, o que torna tudo MUITO mais interessante.
O motivo é simples. Nas obras ocidentais antes citadas, mesmo tendo animais como personagens, os personagens são, basicamente, humanos vestindo uma carapuça animal.
Existe sim uma piadinha ou outra dentro dos longas, porém, nada perto do trabalho realizado em Beastars, pois, neste, temos animais que são animais mesmo.
Personagens que ao ver sangue, perdem o controle. Que ao se depararem com situações de risco, deixam seus instintos tomarem conta.
E é isso que o mundo animal deve ter: instinto. Por quê?
Porque na prática é assim. E isso deixa a obra infinitamente mais interessante, afinal, como diabos um lobo acabará com uma coelha anã?
Eu não sei. E isso me intriga.
Me intriga pois a narrativa deixa constantemente claro que a sociedade ali, apesar de ser meio “humanlike“, é, em sua essência, “animalesca”.
Quer dizer então que no anime temos uma sociedade onde temos herbívoros e carnívoros vivendo juntos, em uma sociedade completamente pacífica e livre de desigualdades ou problemas sociais?
Mas é claro que não.
Um animal é um animal, afinal
Não vou entrar no mérito de animais terem ou não sentimentos e coisas do tipo, porque isso é um assunto mais do que batido (fora que é óbvio que eles tem). E, outro assunto que é batido, é que animais vivem por instinto.
Sendo assim, é claro que ao termos uma sociedade que mescla todos os tipos de animais, de todas as famílias, não seria nem um pouco bacana para os herbívoros. Pelo menos à primeira vista.
Você já viu um leão pastando? Ou um macaco devorando uma onça? Ou ainda, um esquilo do tamanho de outros animais que supostamente deveriam ser imensos perto dele?
Em outros filmes ou animes, talvez. Mas não em Beastars, pois aqui a autora conseguiu passar com maestria o sentimento de medo, angústia e aflição ao espectador nas cenas em que a obra mostra como o mundo ali é, de certa forma, injusto.
Além disso, ter feito os animais que são menores, serem mesmo MENORES que os outros, ficou legal. O porte dos personagens ficou bem coerente com a realidade, mérito para a autora.
Mesmo naquela sociedade que, aparentemente, é “justa”. Digo, justa pois os carnívoros que ali vivem não devoram carne a luz do dia, em prol da vida conjunta com os herbívoros.
Por exemplo, o anime literalmente começa com um assassinato ocorrendo no compus onde acompanhamos o lobo cinzento Legosi, nosso protagonista. No ato, um herbívoro é morto por um carnívoro.
E como a sociedade reage? Com pêsames, luto e uma certa cautela.
Porém, a narrativa deixa subentendido que aquele tipo de coisa é “normal” por ali. Porque, afinal, não é a lógica da natureza?
Isso me intrigou, cativou e provavelmente foi o que me grudou no anime enquanto eu fazia a RegraDe3 (mas só a parte de assistir) dele.
Um protagonista de respeito: temos em Beastars!
Além de seu universo super bem construído, é impossível falar de Beastars sem falar de Legosi, nosso protagonista.
Esse personagem sem dúvidas roubou meu coração, pois ele é, basicamente, um dilema ambulante. Fiquei super feliz que ele ganhou o Cúpula Awards 2019, também.
Legosi nasceu como lobo cinzento, porém, não age como tal. Ou seja, não age como “o esperado”.
Sendo assim, ele constantemente sofre com a falta de sua auto-aceitação e do bullying que seus colegas fazem com ele. Sim, não deixa de ser bullying.
Ficar chamando alguém de assustador, intimidador e falando coisas do tipo “você deveria se impôr mais”, não ajuda nem um pouco se a pessoa NÃO QUER ter esse tipo de atitude.
Suas atitudes moldam sua personalidade, e Legosi é um ser gentil, dócil e disposto a ajudar.
O anime segue uma trilha super slice-of-life, o que me agrada muito, já que dessa forma conseguimos ver bem de pertinho o desenvolvimento de Legosi em suas relações interpessoais, e também em sua evolução pessoal.
Na verdade, o protagonista brilha tanto que, ao final do anime, seu semblante chama mais atenção até mesmo que da verdadeira “estrela” de Beastars, o veado vermelho Louis.
Rouba os holofotes também da coelhinha super fofa e frágil, porém com uma das melhores atitudes femininas que já vi em animes, a coelha anã Haru.
Os outros protagonistas, que também são de respeito
Chega a ser ofensivo chamar a Haru e o Louis de personagens secundários, mas ainda existem aqueles que o fazem. Virem essa boca pra lá!
“O protagonista pode ou não ser personagem principal de uma narrativa, como obras literárias, cinematográficas, teatrais ou musicais. Sobre ele a trama é desenvolvida. As principais ações são realizadas por ele ou sobre ele”, cita a Wikipédia.
Sendo assim, o protagonista é aquele que move a trama. É aquele que toma as ações para que a história se desenvolva.
Em outras palavras, em Beastars, temos 3 protagonistas, o Legosi, já antes descrito, e outros dois.
Louis, o veado que é a representação máxima da virilidade e da masculinidade, e almeja praticamente se tornar um carnívoro, mesmo sendo um herbívoro, para conquistar o reconhecimento da sociedade e de suas convicções internas (e você sabe qual a crítica presente aqui, né).
Ele quer ser algo que ele não nasceu para ser. E isso é um problema? É claro que não. Mas em uma sociedade animal regida por carnívoros, poderia um herbívoro atingir tal patamar?
E temos também a Haru, a coelha anã que sofre na mão de qualquer outra espécie, seja carnívora ou não.
Ela tem seus próprios traumas, e é completamente enojada da forma com que todos a tratam: como “a coelha anã” que precisa de ajuda.
O único lugar que ela se sente bem com ela mesma, é transando, e você vai ter que assistir para entender o porquê. Mas pode ir na fé que faz muito sentido e não é desculpa para satisfazer os desejos furries de algumas pessoas.
Esses 3 incríveis personagens, juntos, puxam um ao outro para frente, tornando esse, pasmem, triângulo amoroso, algo surpreendentemente real e palpável.
Chegaria a parecer novela da globo, se não fosse bom.
Um romance adulto também é encontrado aqui em Beastars
Quando descrevi a primeira vez o romance em Beastars à um amigo, usei o termo “romance maduro” para convencê-lo de que os assuntos ali são bem mais profundos do que estamos habituados a ver em animes.
E não acho que eu esteja enganado, porque nessa obra, a autora fez questão de deixar claro que em Beastars os personagens estão o tempo inteiro tentando serem o que não nasceram para ser.
Isso chega até mesmo no campo da sexualidade, e isso é evidentemente mostrado na tela. O que é BEM raro em animes. Geralmente, temos aquelas cenas de amor meloso que não vai para frente.
Entretanto, aqui, a coisa vai para frente de fato, e nós somos apresentados a um anime com um romance bem “ocidental”, por assim dizer.
Não gosto de usar termos assim, porém me parece um bom jeito de descrever para que você entenda sem ter assistido mas conhece animes de romance num geral.
Fora que a brincadeira que é feita com os instintos animais dos protagonistas é muito divertida.
Afinal, será que Legosi ama a Haru, ou ele apenas quer devorá-la?
E será que a coelha ama o lobo de volta, ou só se sente atraída em ser finalmente devorada e acabar com essa ansiedade que é ficar perto de um predador natural, mesmo que este não represente perigo (quando em controle de seus instintos)?
Essa dualidade é muito interessante, e certamente foi trabalhada com maestria nessa primeira temporada do anime.
Uma parte técnica impecável
Como já mencionado, o anime é inteiramente em CGI. Só que, por trilhar fora do vale da estranheza, esse anime não causa aquele clássico “desconforto” aos olhos de nós, humanos.
O full CGI foi tão bem utilizado que, sem sombra de dúvidas, para mim, é o melhor uso de computação gráfica em um anime de temporada que eu já vi.
E por melhor uso, eu não estou dizendo que a qualidade do CGI em si é algo muito fora da curva.
Quando digo que que é o “melhor uso”, eu quero dizer que é o uso mais sábio, pois é fato que as produções em CG barateiam os custos de produção dentro da indústria. Existem diversos artigos que defendem, inclusive, que essa metodologia de animação será o futuro.
Em outras palavras, aproveitar que o elenco de Beastars não é humano e que é um anime sem muita ação foi uma ótima sacada.
E claro, não dá de falar de parte técnica sem falar da abertura, que além de uma música completamente viciante, divertida e única, é inteiramente feita em stop motion.
Na verdade, entrando na parte de trilha sonora do anime, tudo é impecável. Intensifica nos momentos certos, fica melancólica nos momentos certos, e também eleva nosso astral nos momentos certos.
A equipe de produção do anime está de parabéns, e com certeza fez a história da Paru Itagaki alcançar outro patamar.
Mesmo que o mangá por si só tenha levado o Grande Prêmio de Manga japonês de 2018, vencendo obras como Yakusoku no Neverland e Made in Abyss.
Finalizando a crítica de Beastars
Beastars é certamente um anime que trabalha muito bem seus gêneros, nos entregando uma história que, ao mesmo tempo que intriga, marca e surpreende, com direito até mesmo à 2 grandes clímax próximos ao final da temporada (mesmo que a luta com os leões tenha ficado meio exagerada).
Toda a equipe de produção é merecedora dos créditos que estão recebendo, afinal, a adaptação do material original ficou incrivelmente fiel, mas, ao mesmo tempo, ficou superior.
Pelo menos para mim, a música em Beastars e o enquadramento utilizado pelo diretor Shinichi Matsumi fizeram toda a diferença. Mesmo que o traço da autora, que é mais expressivo no mangá, tenha perdido um pouco de impacto.
Todavia, não desmereço de forma alguma a história da Paru Itagaki, pois, ela fez a sociedade animal de Beastars de fato se comportar como uma, cheia de detalhes que enriquecem o wordbuilding de sua obra.
Coisas como uma ave só poder voar após atingir certa idade, e o mercado negro vender sangue e carne para os carnívoros que não se adaptaram com a dieta vegetariana/vegana. Esse tipo de detalhe só se encaixa com paixão.
Além disso, a autora brinca com a ideia de que, mesmo em uma sociedade carnívoro-herbívora pacífica, nada é como parece, e deixa evidente que está fazendo referências à críticas do mundo real ali dentro. O tempo inteiro.
Eu, obviamente, adorei o romance. Tudo por ser extremamente maduro, bem mais que o de Bunny Girl, que eu já havia elogiado aqui no passado.
E para fechar essa análise animal de Beastars, deixo aqui meu parecer final: os personagens levam essa história nas costas com seus conflitos, suas relações e suas evoluções.
Espero que tudo dê certo no final para o casal, aliás. Termino aqui com um…
Nota
/10
Eu devorei os episódios. Depois do primeiro, já me vi preso nessa incrível sociedade animalística criada pela Paru Itagaki. E você?
EXTRA SOBRE BEASTARS
Não deixe de dar uma curtida no nosso incrível episódio de Beastars. Lá em hosteei uma conversa entre eu, o Dudi e o João.
O papo ficou bem maneiro, e sintetizou e desenvolveu ainda mais boa parte dos pontos que levantei nessa análise.
Portanto, se você curte Beastars, e curte a gente, vale a pena conferir!
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